Bebida e direção
Audiência pública no STF sobre Lei Seca foca em números
Dados revelam que morrem no Brasil, anualmente, de 50 mil a 60 mil pessoas
vítimas de acidentes de trânsito. Em média, metade dos acidentes é causada por
motoristas sob a influência de álcool. Outra 180 mil pessoas não morrem, mas
ficam com sequelas irreversíveis por contaa da violência no trânsito. A
audiência pública feita nesta segunda-feira (7/5) pelo Supremo Tribunal Federal
para discutir a Lei 11.705/2008, a chamada Lei Seca, seguia assim, com números
frios apresentados e alguns poucos argumentos jurídicos até o último
palestrante.
A rotina foi quebrada pelo carioca Fernando Diniz, pai de Fabrício, da
Associação de Parentes, Amigos e Vítimas de Trânsito. Em um depoimento
emocionado, com a foto do filho morto em um acidente de trânsito, aos 21 anos,
em 2003, Diniz foi o último a falar. E encerrou seu depoimento com um vídeo da banda Simple Plan, que na música
Untitled retrata uma família destruída por um acidente de carro. O
depoimento deixou o ministro Luiz Fux, que presidiu a audiência, com os olhos
marejados.
Depois de uns momentos em que deixou o plenário emocionado, Fux voltou para
falar que considerou a audiência produtiva e repetiu que, na sua concepção, a
política tem de ser de tolerância zero no que diz respeito à combinação de
bebidas alcoólicas e direção. O ministro ressaltou, contudo, que não é apenas
isso que está em discussão. Como registrou o ministro, muitos entendem que a
criminalização não é o meio dissuasório mais eficaz e é preciso analisar,
também, a questão de o cidadão produzir prova contra si mesmo.
No começo da audiência, aberta pelo presidente do Supremo, ministro Ayres
Britto, Luiz Fux ressaltou que o objetivo não era discutir aspectos jurídicos da
lei, mas possibilitar aos ministros um conhecimento interdisciplinar que lhes dê
uma visão técnica do assunto. O ministro leu, antes de passar a palavra aos
expositores, uma carta enviada pelo médico Drauzio Varella, que não pôde
comparecer à audiência.
Segundo o médico, a Lei Seca “é um favor que se presta ao trânsito
brasileiro”. Varella atacou o argumento segundo o qual a lei traz danos
econômicos e retração na geração de empregos no setor de bebidas. Para o médico,
em um raciocínio irônico, também há queda no emprego de paramédicos e motoristas
de ambulâncias que socorrem os bêbados, mas nem por isso deve-se permitir a
combinação de bebida alcoólica e direção.
Das 12 pessoas que expuseram dados e opiniões sobre a Lei Seca, nove se
mostraram favoráveis à norma e três, contra. O advogado Rogério Taffarello, que
representou o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), trouxe
argumentos jurídicos à discussão baseada em números e outros dados. Ele
registrou que todos se preocupam com a segurança no trânsito, mas que a melhor
forma de garanti-la não é atropelando a Constituição Federal.
“A julgar pela redação da lei, torna-se uma imposição do Estado ao cidadão
que ele se submeta ao teste do bafômetro. Mas a Constituição garante o direito
ao silêncio, que é corolário do direito de não produzir prova contra si”,
afirmou. Taffarello lembrou aos presentes que, em regra, o cidadão costuma se
identificar com a vítima, mas que é necessário se ver também como acusado. O
advogado ainda registrou os abusos cometidos por policiais que impõem o uso do
bafômetro e lembrou que essa imposição se traduz em um vício de consentimento
que leva a uma “condenação criminal injusta com base em uma prova colhida
ilicitamente”.
O advogado Percival Maricato, que representa a Associação Brasileira de
Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel), autora da ação contra a Lei
Seca, afirmou que “o Estado sempre foi omisso no que diz respeito à segurança no
trânsito e, quando resolve agir, se torna o mais draconiano dos legisladores”.
De acordo com o advogado, até nos Estados Unidos, país em que, segundo ele, são
admiradas as políticas de segurança viária, não existe uma norma que estabeleça
tolerância zero como a brasileira. “Há falta de razoabilidade”, disse.
Lei pela vida
O autor do projeto que se transformou na
Lei Seca, deputado federal Hugo Leal (PSC-RJ), fez um histórico da Lei
11.705/2008. Lembrou que o Decreto-Lei 3.651/1941 já previa a apreensão da
habilitação. Anos depois, a Lei 5.108/1966 proibia a ingestão de bebida
alcoólica antes de dirigir até que o Código Nacional de Trânsito atual, a Lei
9.503/1997, tornou crime beber e dirigir.
A Lei Seca surgiu da Medida Provisória 415, de janeiro de 2008, que
restringia a venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais. Hugo Leal
relatou o Projeto de Lei de Conversão da MP, que se transformou na atual norma.
O deputado trouxe dados do impacto da lei. De acordo com números do Sistema de
Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde, em 2008 morreram 38.273
pessoas em acidentes de trânsito. Em 2009, com a regra em vigor, as mortes
caíram para 37.549. Em 2010, aumentaram de novo, para 40 mil, mas o deputado
atribuiu o aumento à proliferação de motocicletas.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, disse que não foi à toa que a
Organização Mundial de Saúde e a Organização das Nações Unidas exortaram os
países a promover políticas de segurança no trânsito. “Não é pequeno o número de
mortos e feridos a cada ano, dos qual a maior parte decorre da embriaguez”,
disse Adams. Segundo o AGU, “o uso do carro é uma atividade regulada”. Ou seja,
não é qualquer pessoa que pode dirigir. E, quem pode, tem de se submeter às
restrições que esse direito traz. “Quem dirige embriagado não coloca uma arma
apenas para o próprio rosto, mas a aponta para todos aqueles que trafegam”.
O professor de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro José Mauro
Braz Lima disse que o Brasil é o primeiro produtor mundial de bebida destilada e
terceiro maior produtor de cerveja. “Bebemos muito. Não se trata de demonizar a
bebida alcoólica, mas de ter estes dados em mente para tomar medidas de
prevenção e evitar os problemas, educar, informar”, afirmou. De acordo com o
médico, de 30% a 40% dos atendimentos em emergências de hospitais estão ligados
a acidentes de trânsito. Mais de 50% envolvem o consumo de álcool. “A segunda
causa de morte violenta no país são os acidentes de trânsito. É preciso
conscientizar sem demonizar”.
O diretor de policiamento e fiscalização do Detran-DF, Nelson Leite Junior,
disse que, segundo dados da OMS, 1,2 milhão de mortes são provocadas por
acidentes de trânsito no mundo. De acordo com o agente, em 2005, em Brasília,
54% das vítimas fatais tinham álcool no sangue.
Constitucionalidade da lei
O ministro Luiz Fux disse
esperar que a ação da Abrasel contra a Lei 11.705/2008 seja julgada ao final do
segundo semestre. Na próxima segunda-feira (14/5), o ministro presidirá mais uma
audiência (veja abaixo a lista de participantes). Pessoalmente, Fux já disse ser
adepto da teoria da tolerância zero no que diz respeito ao tema. Para o
ministro, o lema “se beber, não dirija” deve ser levado ao pé da letra.
Mas ele afirma que deve ser considerado o amplo aspecto que a questão
envolve, da proteção à vida e à livre iniciativa empresarial no caso de bares e
restaurantes que comercializam bebidas alcoólicas. O ministro afirma que se deve
observar na decisão, além de seus aspectos jurídicos, a “vontade responsável” da
sociedade sobre o tema. “A audiência deve suprir a falta de capacidade
institucional do Judiciário para deliberar sobre a questão”, afirmou.
Desde sua sanção, em 2008, a Lei Seca já rendeu muitos debates. No mês
passado, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que apenas bafômetro ou exame de
sangue podem atestar o estado de embriaguez de um motorista. Para a maioria dos
ministros, como a lei define especificamente o grau de alcoolismo no sangue para
que se verifique a embriaguez, não é possível aferir que o motorista dirige
bêbado com outros meios de prova.
O Supremo discute o tema na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.103,
ajuizada pela Abrasel logo após a sanção da lei. Na ação, a associação sustenta
que a norma prejudica os lucros dos estabelecimentos que vendem bebidas
alcoólicas e os empregos gerados diretamente pelo setor.
A Abrasel alega, ainda, que a Lei Seca traz conteúdo abusivo e
inconstitucional que atenta contra as garantias e as liberdades individuais,
principalmente ao dizer que qualquer concentração de álcool no sangue sujeita o
condutor a penalidades. A lei impede a venda de bebidas alcoólicas em rodovias
federais.
Fonte: Conjur
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