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Princípio da proibição de proteção deficiente

Posted by Chrystiano Angelo On quinta-feira, 22 de março de 2012 0 comentários
Princípio da proibição de proteção deficiente
 
Por força do princípio da proibição de proteção deficiente nem a lei nem o Estado pode apresentar insuficiência em relação à tutela dos direitos fundamentais, ou seja, ele cria um dever de proteção para o Estado (ou seja: para o legislador e para o juiz) que não pode abrir mão dos mecanismos de tutela, incluindo-se os de natureza penal, para assegurar a proteção de um direito fundamental.
O princípio da proibição de proteção deficiente emana diretamente do princípio da proporcionalidade, que estaria sendo invocado para evitar a tutela penal insuficiente.
O que acaba de ser descrito foi invocado pelo Procurador-Geral da República para embasar seu pedido de inconstitucionalidade do novo artigo art. 225 do CP (c.c. art. 213), que prevê que a ação penal no caso de estupro com resultado morte ou lesão corporal grave passou a ser pública condicionada, como regra. Essa regra só admite duas exceções: 1) quando a vítima é menor de 18 anos; 2) quando a vítima é pessoa vulnerável. De acordo com a visão do Procurador-Geral a ação condicionada representaria uma proteção (penal) insuficiente, daí o seu pedido de declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos citados (sem supressão de texto).
No RE 418.376, em voto vista, o Ministro Gilmar Mendes cuidou do princípio em destaque, para fazer incidir o Direito penal num caso em que se buscava extinguir a punibilidade de agente condenado por atentado violento ao pudor, praticado contra uma menina de oito anos, de quem abusou por quatro anos e que, aos doze, engravidou, iniciando, com o seu agressor, uma união "estável"; o relator, Ministro Marco Aurélio, votou pela extinção de punibilidade do agente.
Do voto do Ministro Gilmar Mendes impõe-se extrair o seguinte:
"Quanto à proibição de proteção deficiente, a doutrina vem apontando para uma espécie de garantismo positivo, ao contrário do garantismo negativo (que se consubstancia na proteção contra os excessos do Estado) já consagrado pelo princípio da proporcionalidade. A proibição de proteção deficiente adquire importância na aplicação dos direitos fundamentais de proteção, ou seja, na perspectiva do dever de proteção, que se consubstancia naqueles casos em que o Estado não pode abrir mão da proteção do direito penal para garantir a proteção de um direito fundamental. Nesse sentido, ensina o Professor Lênio Streck:
"Trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade possui uma dupla face: de proteção positiva e de proteção de omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado, resultando desproporcional o resultado do sopesamento (Abwägung) entre fins e meios; de outro, a inconstitucionalidade pode advir de proteção insuficiente de um direito fundamental-social, como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas sanções penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos. Este duplo viés do princípio da proporcionalidade decorre da necessária vinculação de todos os atos estatais à materialidade da Constituição, e que tem como conseqüência a sensível diminuição da discricionariedade (liberdade de conformação) do legislador."(Streck, Lênio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista da Ajuris, Ano XXXII, nº 97, marco/2005, p.180)
No mesmo sentido, o Professor Ingo Sarlet:
"A noção de proporcionalidade não se esgota na categoria da proibição de excesso, já que abrange, (...), um dever de proteção por parte do Estado, inclusive quanto a agressões contra direitos fundamentais provenientes de terceiros, de tal sorte que se está diante de dimensões que reclamam maior densificação, notadamente no que diz com os desdobramentos da assim chamada proibição de insuficiência no campo jurídico-penal e, por conseguinte, na esfera da política criminal, onde encontramos um elenco significativo de exemplos a serem explorados."(Sarlet, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre a proibição de excesso e de insuficiência. Revista da Ajuris, ano XXXII, nº 98, junho/2005, p. 107.)
E continua o Professor Ingo Sarlet:
"A violação da proibição de insuficiência, portanto, encontra-se habitualmente representada por uma omissão (ainda que parcial) do poder público, no que diz com o cumprimento de um imperativo constitucional, no caso, um imperativo de tutela ou dever de proteção, mas não se esgota nesta dimensão (o que bem demonstra o exemplo da descriminalização de condutas já tipificadas pela legislação penal e onde não se trata, propriamente, duma omissão no sentido pelo menos habitual do termo)."(Sarlet, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre a proibição de excesso e de insuficiência. Revista da Ajuris, ano XXXII, nº 98, junho/2005, p. 132.).
O princípio da proibição de proteção deficiente, bastante apropriado para o âmbito dos direitos sociais, na esfera penal deve ser compreendido com grande cautela, visto que, no Direito penal, por força do princípio da legalidade e da garantia da proibição da analogia contra o réu, o que não está na lei (contra o réu) não pode ser aplicado (ainda que isso represente uma inconstitucionalidade por insuficiência de proteção). O que não está na lei (contra o réu) não pode ser suprido pelo juiz e o que está na lei (por exemplo: a ação penal doravante no crime de estupro com resultado morte ou lesão corporal é pública condicionada) não pode ser negado por ele.
O princípio ora em destaque, como se vê, pode ser bastante apropriado no campo da política criminal (que projeta a futura legislação). No Direito penal ele conta com muitas reservas. Exemplo: vários crimes informáticos genuínos ainda não estão na lei penal brasileira. Conclusão: ninguém pode ser condenado por esses crimes, por falta de lei. Não se pode, por força do princípio da proibição de proteção deficiente, superar a barreira da legalidade. A lei de lavagem de capitais menciona, como crime precedente, o decorrente de organização criminosa. Até hoje nenhuma lei no Brasil cuidou desse tema. Não se pode querer, na prática, com base na proibição da proteção deficiente, que o juiz admita o que não está na lei. A legalidade estrita, em suma, é uma grande barreira para a aplicação do princípio da proibição de proteção deficiente no Direito penal.

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