Mesmo não sendo entusiasta do princípio da insignificância, em alguns casos ela se mostra evidente.
Acabei de analisar caso de prisão em flagrante de um furto de um desodorante de R$ 10,68 de um supermercado, praticado por um sujeito que nunca foi preso ou processado antes.
Anulei o flagrante e o coloquei em liberdade.
Eis o caso:
Vistos etc.
Trata-se de comunicação da prisão em flagrante de MLRA por prática de delito de furto simples, em que, autuado, recebeu a Nota de Culpa, comunicando-se a Defensoria Pública.
A autoridade policial arbitrou fiança, que não foi recolhida, alegando o preso falta de condições financeiras para isso.
Interveio o Ministério Público, pugnando pela homologação do flagrante e liberdade imposição de medidas cautelares, diversas da pecuniária.
Relatados.
Formalmente legal a prisão, não se observando, de plano, qualquer irregularidade ou nulidade, existindo indícios suficientes nos autos da prática da conduta pelo autuado.
Entretanto, é certo que a lei penal não deve ser invocada para atuar em hipóteses desprovidas de significação social, razão pela qual os princípios da insignificância e da intervenção mínima surgem para evitar situações dessa natureza, atuando como instrumentos de interpretação restrita do tipo penal.
Ocorre que, aceita a idéia de forma irrestrita, o Estado estaria dando margem a situações de perigo, na medida em que qualquer cidadão poderia se valer de tal princípio para justificar a prática de pequenos delitos, incentivando-se, por certo, condutas que atentariam contra a ordem social.
Conveniente trazer à colação excerto do voto proferido pelo E. Ministro Celso de Mello, no HC 98.152/MG, que apresenta os requisitos necessários para a aferição do relevo material da tipicidade penal, verbis:
O postulado da insignificância que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal.
No caso, trata-se de furto de objetos em Supermercado de médio porte que foram avaliados pela vítima em R$ 10,68 (dez reais e sessenta e oito centavos), situação que claramente mostra a presença de tais vetores, especialmente quando pesquisa no SAJ, BNMP e site do Tribunal de Justiça da Paraíba, local de origem do autuado, resultam na constatação da inexistência de antecedentes criminais, ou mesmo que responda ou tenha respondido a qualquer ação penal.
É o caso, portanto, de reconhecer-se a insignificância da conduta e ter por ilegal sua prisão.
Neste sentido:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. IMPROPRIEDADE. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA. CONCEDIDA A ORDEM EX OFFICIO.
1.(...).
2. Consoante entendimento jurisprudencial, o "princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentaridade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material.
(...) Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público" (HC n.º 84.412- 0/SP, STF, Min. Celso de Mello, DJU 19.11.2004).
3.No caso, o paciente subtraiu um saco de cimento, uma pá e uma enxada avaliados em R$ 65,00 (pouco mais de 10% do salário mínimo então vigente), tendo sido as coisas devolvidas à vítima, que não experimentou nenhum prejuízo material. Além do que o paciente não ostenta qualquer condenação por crime contra o patrimônio.
4. Reconhece-se, então, o caráter bagatelar do comportamento imputado, não havendo falar em afetação do bem jurídico patrimônio.
5. Flagrante ilegalidade detectada.
6. Impetração não conhecida, mas concedida a ordem, ex officio, para, reconhecendo a atipicidade material da conduta, trancar a ação penal.
(HC 274.921/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 14/10/2014, DJe 29/10/2014)
Isto posto, reconheço a insignificância da conduta imputada e tenho inexistente situação de flagrante, deixando de homologar a prisão e concedendo habeas corpus de ofício ao autuado, mandando expedir-se alvará de soltura em seu favor, se por al não dever continuar preso.
P. R. I., inclusive o Ministério Público. Redistribua-se após o plantão judiciário.
Natal, 18 de fevereiro de 2015
Henrique Baltazar Vilar dos Santos
Juiz de Direito plantonista
Fonte: https://www.facebook.com/henriquebaltazar.vilarsantos/posts/715583205226617?fref=nf&pnref=story
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