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Violência doméstica contra menina. É competente o JVDFM?

Posted by Chrystiano Angelo On sexta-feira, 6 de dezembro de 2013 0 comentários

Violência doméstica contra menina. É competente o JVDFM?
Retirada da Internet
Art. 2º. Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

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Art. 2º. Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Art. 13.  Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Introdução
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), tal qual o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.079/1990), é diploma de proteção integral. Ambos os diplomas visam dar cumprimento a previsões constitucionais de proteção especial (Constituição Federal, arts. 2261 e 2272 , respectivamente).
Embora as proteções complementem-se em muitos casos, elas não se confundem. Ambos os diplomas legais têm por objetivo coibir a violência no âmbito doméstico e familiar, não obstante os objetivos do ECA serem mais amplos. No entanto, sua principal diferenciação decorre do fato de que, quando a violência motivar-se em questão de gênero, será a Lei Maria da Penha que entrará em cena. Veja-se graficamente:

A utilização da Lei Maria da Penha para os casos de violência baseada no gênero não afasta, entretanto, a possibilidade de aplicação de instrumentos e institutos previstos no ECA. Aliás, a Lei é expressa nesse sentido (art. 13), conforme se verá abaixo.
Para a melhor compreensão do tema, inicialmente serão vistos os objetivos da Lei Maria da Penha para, em seguida, serem trazidos os seus contextos de aplicação (doméstico, familiar ou em uma relação íntima de afeto), finalizando-se com a análise do juízo competente para o processo, o julgamento e a execução de casos de violência doméstica e familiar baseada no gênero e que envolva criança ou adolescente do sexo feminino.
1. Objetivos da Lei Maria da Penha (arts. 1º e 5º)
Já em seu art. 1º, a Lei Maria da Penha define o seu objetivo: coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Tal preocupação encontra-se ancorada no § 8º do art. 226 da Constituição Federal, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) e em outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil.
Apesar de o art. 1º da Lei Maria da Penha referir-se à “violência doméstica e familiar contra a mulher”, o seu art. 5º delimita o objeto de incidência, ao preceituar que “para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero”. E não é só. Nos incisos do mesmo dispositivo legal antes citado, a Lei menciona o contexto em que a violência de gênero deve ser praticada para que se conte com o seu socorro: âmbito da unidade doméstica, da família ou em uma relação íntima de afeto.
Toda violência de gênero é uma violência contra a mulher, mas o inverso não é verdadeiro. O que é, então, violência de gênero? A violência de gênero envolve uma determinação social dos papéis masculino e feminino. Toda sociedade pode (e talvez até deva) atribuir diferentes papéis ao homem e à mulher. Até aí tudo bem. O problema é quando a tais papéis são atribuídos pesos com relevâncias diversas. No caso da nossa sociedade, os papéis masculinos são supervalorizados em detrimento dos equivalentes femininos.
Para Maria Amélia Teles e Mônica de Melo, a violência de gênero representa “uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Demonstra que os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos”.3
A violência baseada no gênero, embora seja mais comum na fase adulta, também pode incidir quando da infância e adolescência, com destaque para as figuras do pai ou irmão (contexto doméstico e familiar) e do namorado (relação íntima de afeto).
Vejamos cada um dos contextos da violência prevista na Lei Maria da Penha (doméstico, familiar e relação íntima de afeto).
2. Contextos da violência doméstica e familiar contra a mulher
O art. 5º da Lei Maria da Penha especifica as três situações de incidência de suas normas: no âmbito da unidade doméstica (compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas – inciso I), no âmbito da família (compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa – inciso II) e em decorrência de uma relação íntima de afeto (inciso III).
De acordo com Fabiane Simioni e Rúbia Abs da Cruz, “o conceito de comunidade familiar proposta pela Lei é amplo. Nele estão abarcados maridos, companheiros, namorados, amantes, filhos, pais, padrastos, irmãos, cunhados, tios e avós (com vínculos de consanguinidade, de afinidade ou por vontade expressa). Este conceito abrange uma variedade de laços de pertencimento no âmbito doméstico”4 .
A violência contra meninas e adolescentes, quando se refere à figura paterna, não é nada incomum, aqui se incluindo a violência sexual.
Conforme o Mapa da Violência 2012 – Crianças e Adolescentes no Brasil, “pelos registros do SINAN foi atendido, em 2011, um total de 10.425 crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A grande maioria do sexo feminino: 83,2%. Com poucas oscilações entre as faixas etárias, podemos ver também que vai ser entre os 15 e os 19 anos que os índices femininos atingem sua máxima expressão: 93,8%. Ao todo, foram 16,4 atendimentos para cada 100 mil crianças e adolescentes. A maior incidência de atendimentos registra-se na faixa de 10 a 14 anos, com uma taxa de 23,8 notificações para cada 100 mil adolescentes”.5
Quando se trata de verificar o autor das violências sexuais mencionadas acima, “pais e padrastos aparecem seguidamente como as categorias individuais de maior peso, responsáveis por aproximadamente 10% dos atendimentos cada uma. Em conjunto, a família nuclear (pai, mãe, padrasto, madrasta, cônjuge, filhos e irmãos) representa 26,5% dos prováveis agressores das crianças e adolescentes”.6
Quanto à violência praticada pelo irmão contra a irmã, o STJ reconheceu (REsp. 1.239.850-DF, rel. min. Laurita Vaz, julgado em 16/02/2012) a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para processar e julgar o cometimento do crime de ameaça (art. 147, CP). Para praticar o crime, o agressor se valeu da autoridade de irmão, causando à vítima sofrimento psicológico. O acusado, de acordo com o que consta nos autos, utilizou-se da superioridade cultural que o irmão exerce sobre a irmã, causando-lhe sofrimento psicológico ao ameaçá-la7.
Desde criança, o irmão é ensinado e colocado na posição de protetor da irmã pelos pais e também pela sociedade, na maior parte das vezes; a irmã, por seu turno, é ensinada e colocada na posição de aceitar essa posição de protegida, sendo que tal situação se perpetua, não raras vezes, também, na adolescência, alcançando, inclusive, a idade adulta, levando a que irmãos se julguem superiores e venham a exigir de suas irmãs que lhes prestem obediência.
No quadro abaixo pode-se perceber que, mesmo em se tratando de violência física, as meninas e adolescentes são mais vitimizadas8:
Em todos os casos, entretanto, para a aplicação da Lei Maria da Penha, há necessidade, repita-se, de verificar se a violência está baseada em uma questão de gênero, tal qual se expressou o STJ no julgamento antes mencionado.
3. Competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (art. 13)
O art. 13 da Lei Maria da Penha expressamente determina a aplicação subsidiária da legislação específica relativa à criança e ao adolescente (bem como do Código de Processo Penal, do Código de Processo Civil e do Estatuto do Idoso) a todas as causas cíveis e criminais que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher. Não havendo colisão ou contradição com a Lei Maria da Penha, perfeita e adequada será a aplicação do ECA aos casos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher.
Tal dispositivo legal encontra-se em consonância com a diretriz central da Lei Maria da Penha, que é o oferecimento de proteção integral à mulher em situação de violência doméstica e familiar (independentemente da sua idade).
Por outro lado, o artigo 14 da Lei Maria da Penha, que dispõe sobre a criação e competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM), estabelece sua abrangência às causas cíveis e criminais decorrentes da prática de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher, baseada no gênero. Sendo uma mulher adulta, adolescente ou criança, será competente, portanto, os JVDFM, até porque é neles que vamos encontrar profissionais capacitados para lidar com a violência de gênero.
Conforme adverte Wânia Pasinato, os Juizados “deverão ter uma atuação que difere da aplicação tradicional da justiça criminal – que se limita à apreciação das responsabilidades criminais e distribuição de penas – para operar em consonância com as convenções internacionais de proteção dos direitos da mulher (CEDAW e Convenção de Belém do Pará), com a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, que enfatizam a adoção de medidas para enfrentar a violência contra a mulher em seus efeitos diretos e indiretos contra a autonomia das mulheres e o exercício de seus direitos”.9
Os Juizados representam um dos maiores avanços da Lei Maria da Penha. Por meio deles foi possível centralizar, em um único procedimento judicial, todos os meios de garantia dos direitos da mulher em situação de violência doméstica e familiar, antes relegados a diversos e diferentes órgãos jurisdicionais (vara criminal, cível, de família, da infância e da juventude etc.).
Considerações finais
Por se tratar de proteções constitucionalmente consagradas (da criança, da adolescente e da mulher adulta – arts. 227 e 226, respectivamente), um tratamento especial se impõe, levando a que nos casos de violência baseada no gênero sejam aplicados, incondicionalmente, todos os mecanismos, instrumentos e disposições da Lei Maria da Penha, incluindo a competência para o processo, julgamento e execução das causas cíveis e criminais, que passa a ser dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Tal não significa, entretanto, que se abdique da aplicação de todo o ferramental previsto no ECA; ao contrário, como expressamente prevê o art. 13 da Lei Maria da Penha, não havendo incompatibilidade, aplicar-se-ão as normas da legislação específica relativa à criança e ao adolescente. Vale lembrar, a titulo de exemplo, a medida de proteção contida no art. 130 do ECA, in verbis: “verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum. Parágrafo único. Da medida cautelar constará, ainda, a fixação provisória dos alimentos de que necessitem a criança ou o adolescente dependentes do agressor.”
Tratando do tema violência contra meninas e adolescentes no Brasil, pontuam Sandra Leila Paula e Amanda de Souza Alves que “a dominação machista reproduz papéis que estruturam uma educação autoritária, violenta, permissiva e, em alguns casos, incestuosa na família, na sociedade e entre as gerações, contribuindo, assim, para a manutenção de valores culturais e práticas sociais violentas.” Portanto, ações voltadas para prevenir ou coibir tais práticas já em relação a meninas e adolescentes são necessárias,a fim de que seja superado o passado histórico de assimetria de poder em relação aos sexos e se atinja um status de igualdade concreta (e não só na expressão legal).
1 BRASIL. Constituição Federal. “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”
2 Idem. Constituição Federal. “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
3 TELES, Maria A. de Almeida. MELO, Mônica. O que é Violência contra a Mulher. São Paulo: Brasiliense, 2002.
4 SIMIONI, Fabiane. CRUZ, Rúbia Abs. “Da Violência Doméstica e Familiar – artigo 5º”. In CAMPOS, Carmen Hein de (org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 189.
6 Idem, p. 73.
7 No sentido de também aplicar a Lei Maria da Penha no caso de violência entre irmãos, veja: STJ, 6ª Turma, HC 184.990/RS, julgado em 12/06/2012, rel. Og Fernandes.
9 PASINATO, Wânia. “Avanços e obstáculos na implementação da Lei 11.340/2006″. In CAMPOS, Carmen Hein de (org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 134.

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