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Ítalo Moreira: ‘Historicamente só se investiga pessoas de baixa renda’

Posted by Chrystiano Angelo On domingo, 14 de abril de 2013 0 comentários


A Proposta de Emenda Constitucional 37, a PEC-37, tem concentrado o debate nos últimos dias e chamado a atenção da sociedade para as mudanças que a proposta trará caso aprovada no Congresso Nacional. A principal delas é a que tira do Ministério Público a prerrogativa de investigação, limitando esse poder às polícias Civil e Federal. De autoria do deputado federal maranhense Lourival Mendes (PT do B), a proposta é vista pelo Ministério Público como incentivo à criminalidade, corrupção e impunidade. Para o defensor da PEC, ela apenas reestabelecerá o que está previsto na Constituição Federal. O promotor Ítalo Moreira Martins, coordenador das Promotorias Criminais da Comarca de Mossoró, discorda do autor da proposta. Segundo ele, o direito do MP investigar está previsto na Constituição Federal e é reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para o promotor, o MP não está contra as polícias, mas, sim, defendendo a ação ampla na cruzada contra a corrupção. E isso só é possível com as instituições bem aparelhadas e independentes, segundo ele. No “Cafezinho com César Santos”, na redação do defato.com de Mossoró, Ítalo Moreira fala abertamente sobre o assunto; defende o direito de investigação do Ministério Público, reconhece a importância da polícia investigativa e afirma que o crime de corrupção só será combatido pelas instituições independentes e bem aparelhadas. Leia a entrevista. As fotos são de Cézar Alves.

CÉSAR SANTOS – A PEC 37, de autoria do deputado federal maranhense Lourival Mendes (PTdoB), restringe às polícias Civil e Federal a prerrogativa das investigações criminais. Para o autor, na verdade a proposta deixa claro o que a Constituição já proíbe. O Ministério Público discorda, evidentemente. Em que, então, o MP legitima a sua luta?
ÍTALO MOREIRA – Se a proposta deixa claro o que já existe na Constituição, ela seria inócua, ou seja, não haveria necessidade de ser proposto. E tanto há necessidade para eles de aprovar essa emenda, que há um verdadeiro lobby, principalmente da parte da Associação de Delegados da Polícia Federal. Alguns políticos que foram investigados pelo Ministério Público também fazem uma pressão muito grande para a proposta ser aprovada. Então, não faria sentido que isso fosse proposta se o Ministério Público não tivesse esse poder de investigação. Quem acompanha o debate jurídico sobre o assunto, percebe que existem vozes de jurídicos renomados que se posicionam contra o Ministério Público de investigar e dizem que nós não temos essa prerrogativa constitucional, o que não se sustenta.

POR QUÊ?

NO BRASIL nós temos um órgão máximo da nossa Justiça que é o Supremo Tribunal Federal (STF), o guardião da Constituição. Cabe ao Supremo decidir se o Ministério Público tem ou não tem poder de investigação. Se você fizer uma rápida pesquisa na jurisprudência do STF, vai observar que tem dezenas e dezenas de decisões reconhecendo o poder de investigação do Ministério Público. Claro que não é algo unânime. Tem ministro, como o Marco Aurélio de Melo, que é contra o MP investigar. Tem outros dois, o Ricardo Lewandowsk e Dias Toffoli, que defendem mais hipóteses tão excepcionais que deixam o poder de investigação muito mitigado. Mas, os demais entendem que o Ministério Público pode investigar, que tem previsão constitucional e constantemente julgam ações relacionadas a investigações do Ministério Público e quase todas estão sendo validadas. Enfim, o Supremo entende que o MP pode investigar, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também entende assim, os tribunais de justiça do Brasil admitem o poder de investigação do Ministério Público. Então, temos o apoio do Judiciário de forma geral. Nas operações realizadas pelo MP, quando há uma busca e apreensão, essa busca e apreensão foi autorizada por quem? Pelo judiciário. Quando há uma prisão temporária, foi autorizada por quem? Pelo judiciário. Ou seja, o judiciário dá suporte total às ações do Ministério Público. Então, nós temos o poder de investigação porque o judiciário já decidiu várias vezes assim; agora, se um dia o Supremo entender que o MP não tem esse direto, nós deixaremos de fazer.

O MP alega que a PEC-37, se aprovada, trará consequências graves, como aumento da criminalidade, da impunidade, limitação de poderes dos tribunais de contas, entre outras. Para os defensores da proposta, trata-se de sofismo. Como o senhor observa esse confronto de ideias?
PRIMEIRO, é preciso olhar no Brasil quem é investigado e preso. Se observar as prisões, seus ocupantes são pessoas da classe baixa. Por quê? Porque historicamente só se investiga pessoas de baixa renda. Para se chegar até determinadas autoridades, até determinadas pessoas que desviam o dinheiro público, infelizmente nós ainda estamos engatinhando. Acho até que o Ministério Público ainda faz pouco; poderia e deveria fazer muito mais. O nosso foco maior é justamente o combate à corrupção, porque essa é uma das maiores mazelas desse país. A corrupção afeta todas as áreas da vida pública como saúde, educação, segurança, social, infraestrutura. Então, o Ministério Público escolheu esse foco.
MAS as polícias não poderiam investigar e combater os crimes de corrupção, mediante processos indicados pelo Ministério Público?
É DIFÍCIL para as policiais investigarem a corrupção. Não é que o Ministério Público seja melhor do que a polícia; não é que promotor e procurador da República sejam melhores do que delegados da Polícia Civil e da Polícia Federal. É que nós temos duas garantias fundamentais que a polícia não tem: inamovibilidade e independência funcional. Se eu instalo um Procedimento de Investigação Criminal (PIC), só estarei sujeito a obedecer os ditames legais; ninguém me tira da investigação. O meu chefe, que é o procurador-geral de Justiça, jamais vai me afastar do trabalho investigatório. Não tem governador, não tem presidente, não tem ninguém para interferir porque nós temos essa garantia: inamovibilidade. A polícia não tem essa garantia. Eu acho que deveria ter; defendo o fortalecimento da polícia. Quanto mais órgãos estiverem investigando mais nós chegaremos ao alvo, a cumprir a nossa missão. A Polícia Federal, por exemplo, já faz mais investigações relacionadas a crimes de corrupção; isso é ótimo e todos nós queremos que ela continue fazendo essas operações. Mas o Ministério Público também pode fazer. Na última quarta-feira (10) foi deflagrada uma operação no Brasil todo. Nessa operação, havia a participação do Ministério Público, da Polícia Federal e da Polícia Civil de vários estados, ou seja, foi um trabalho conjunto e amplo. Então, veja só: se a PEC-37 for aprovada, o Ministério Público não vai poder participar mais, nem colaborando com a investigação criminal, porque essa missão vai ficar privada da Polícia Federal e da Polícia Civil.
MAS o senhor não acha que as policiais têm independência para investigar, inclusive, crimes de corrupção? A Polícia Federal, por exemplo, vem ampliando esse tipo de operação.
QUEM defende essa PEC no Congresso Nacional não pretende dar inamovibilidade para a polícia; não vai oferecer independência para a polícia investigar. Como eles não vão dá inamovibilidade e independência funcional às polícias, trabalham para puxar o tapete do Ministério Público, que tem inamovibilidade e independência funcional. Eles querem enfraquecer o MP, porque entendem que nós temos a garantia, mas não teremos como materializar essa garantia, que é justamente a investigação criminal.

A FALTA de aparelhamento das polícias seria, também, consequência da falta de interesse dos governos no trabalho de investigação criminal?
NÃO posso afirmar isso. Mas posso dizer que as nossas policiais não são aparelhadas. É uma vergonha a situação da polícia no Brasil em termos de aparelhamento. Eu acho muito estranho que não haja uma mentalidade de fortalecimento das polícias, principalmente da Polícia Civil. Eu acredito até que isso não é nem proposital porque o sucateamento dos serviços públicos ocorre de uma forma geral, atingindo serviços essenciais como saúde, educação, segurança, entre outros setores vitais. Mas, não há a prioridade de oferecer estrutura nem independências a polícia civil e federal investigar. A independência e a inamovibilidade do delegado não passam, porque não é interesse dos governantes. Eles querem sempre a polícia como um braço do governo e não como um braço do Estado.

UM dos argumentos do Ministério Público é de que as polícias não dão conta do grande volume de casos de investigação. A maioria se perde. Mas a Justiça sofre do mesmo mal. Dessa forma, seguindo a tese do poder de investigação para socorrer as polícias, seria o caso do Ministério Público também julgar para resolver os gargalos da Justiça?
NÓS defendemos o poder de investigação do Ministério Público não pela falta de estrutura das polícias. Essa é uma questão secundária. A questão principal é que nós temos o poder de investigação que está na Constituição Federal e que o Supremo dá esse direito. O Ministério Público quer apenas exercer esse direito; não tenho dúvidas que a sociedade ganha com isso. Agora, além de existir a possibilidade jurídica do Ministério Público investigar, há uma necessidade prática da polícia realizar essa investigação. Eu diria o seguinte: vamos imaginar que a polícia fosse muito bem estruturada, com todo aparelhamento para dá suporte às investigações, e você me pergunta: o MP ainda quer investigar? Eu respondo sim. Por mais estrutura que o governo ofereça para a Polícia Civil e para a Polícia Federal, sempre vai ter um campo muito grande para o Ministério Público atuar e sempre com intuito de contribuir na luta contra a criminalidade. Portanto, o MP não está usurpando a função das polícias, mas, defendendo o direito de investigar para contribuir no combate à criminalidade.
O SENHOR não acha que a criminalidade exacerbada é gerada pela ausência do Estado e pelo pauperismo econômico e não pela mera atribuição de investigar um delito já ocorrido?
TAMBÉM. O Estado é muito omisso. A questão econômica também tem um aspecto bem relevante. Só que o pauperismo econômico, que você menciona, ele produz um outro tipo de crime, que nós presenciamos no dia a dia. O sujeito pega uma arma e vai assaltar, muitas das vezes para comprar droga. Há outro tipo de crime, que é o que o Ministério Público mais investiga, a corrupção. Esse é o nosso foco. Trata-se de uma necessidade, pois existe um vazio muito grande no trabalho de investigação a determinados crimes cometidos por autoridades e empresários. Aí eu pergunto: esses crimes cometidos por autoridades, agentes públicos e empresários, será que são devidamente investigados? Não são. E será que isso está ligado a alguma omissão do Estado? Nessa outra ponta da criminalidade, podemos afirmar que realmente existe a impunidade. Quem desvia o dinheiro público sabe que a chance de ser investigado é muito pequena. E menor ainda é a possibilidade de ser condenado e preso. Olha só que dado absurdo: no Brasil, estima-se que apenas entre 5 a 8 por cento dos crimes são efetivamente esclarecidos e os autores punidos. Se for fazer uma estatística só com os crimes relacionados a desvio de dinheiro público, eu diria que não chegaria a 1 por cento de casos investigados.

USAR argumentos como mordaça, impunidade e incentivo à corrupção não seria um discurso fácil para ter o apoio da sociedade?
O MINISTÉRIO Público está recebendo o apoio da sociedade, não tenha dúvida. Antes mesmo da campanha contra a PEC-37, entidades de todos os segmentos da sociedade já vinham apoiando essa luta. A Associação Brasileira de Imprensa apoia o Ministério Público, a Confederação Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB) já disse oficialmente que apoia o Ministério Público, várias e várias associações de juízes federais e estaduais também manifestaram apoio, associações de defensores públicos também estão na nossa luta, entre muitas outras entidades da sociedade civil. Então, a sociedade em geral está apoiando o Ministério Público. Evidentemente, existem alguns focos de divisão. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ainda está em cima do muro. Algumas secções estaduais estão se manifestando favoráveis, mas também fazem críticas à atuação do Ministério Público. É compreensível. O MP aceita as críticas e elas devem ser feitas, até para que eventuais erros possam ser corrigidos. Mas os que são contra a atuação do MP não querem corrigir os erros, mas sim impedir o trabalho do Ministério Público.

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