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Ministério Público deve fazer investigações criminais?

Posted by Chrystiano Angelo On terça-feira, 26 de junho de 2012 0 comentários

Ministério Público deve fazer investigações criminais?


SIM

QUEM QUER CALAR O MP?

O país assiste bestificado a um debate corporativo e kaftiano sobre quem pode fazer e quem manda na investigação criminal. O Parlamento discute a PEC 37, que torna a investigação exclusividade da polícia.

Paralelamente, a criminalidade aumenta, torna-se mais violenta e o crime organizado avança, contaminando as estruturas estatais, atingindo o Executivo, Judiciário e Legislativo. A pergunta que poucos fazem é sobre a eficiência e a competência do Estado contra a criminalidade.

Há quem defenda o fim dessas investigações, para gáudio dos criminosos. Em polo oposto está quem advoga a possibilidade do Ministério Público realizar ou assumir a investigação criminal. Ninguém fala em dar qualidade, rapidez e eficiência ao inquérito, com melhores salários e garantias ao delegado de policia.

Ora, a Constituição é clara no seu artigo 144, deferindo à Policia Judiciária a direção do inquérito policial, sob a presidência de um delegado.

Por outro lado, a mesma Constituição, no artigo 129, atribui ao Ministério Público o exercício soberano da ação penal pública e o controle externo da atividade policial, sendo que o Código de Processo Penal permite que a Promotoria ofereça denúncia sem inquérito --ou seja, que realize investigações, colhendo documentos para a ação penal.

Na verdade, o que a Constituição não proíbe, e estatuto processual e Lei Orgânica do Ministério Público permitem, é o direito do Ministério Público coletar provas fora do inquérito policial para elucidar o crime.

Em alguns casos famosos e históricos, como no episódio do Esquadrão da Morte, se não fosse a ação de promotores destemidos, sob o comando de Hélio Bicudo, em plena ditadura militar, os crimes da polícia teriam permanecido impunes.

Os crimes iam desde de homicídio qualificado até tráfico de entorpecentes, sob o comando do lendário delegado Fleury. Não esqueçamos que mais de 200 pessoas foram mortas e a matança só foi interrompida graças às investigações criminais feitas pelos promotores, com o inestimável apoio do juiz Nelson Fonseca.

No Espírito Santo, igualmente o Esquadrão da Morte e o crime organizado na década de 1990 começaram a ser desbaratados graças a uma denúncia feita por um desembargador ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça, que fez as investigações e diligências e conseguiu apurar as responsabilidades.

Igualmente, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), a Receita Federal e a Previdência Social realizaram investigações que têm esclarecido crimes contra a administração publica.

Como se vê, a polícia tem o monopólio da direção do inquérito, mas não da investigação.

É verdade que ambas as instituições incomodam, como demonstram investigações recentes realizadas pela Policia Federal e pelos promotores, principalmente quando se aproximam dos donos do poder.

Mas a atuação desses destemidos funcionários deve ser objeto de aplauso e não de condenação, sendo que os abusos e excessos devem alvo de punição pela corregedorias dos organismos envolvidos, com punição dos responsáveis.

Se há abusos, eles devem ser punidos, instituindo-se inclusive o controle externo do Ministério Público. Mas calar a Promotoria é solução perigosa para o país e um retrocesso que certamente o STF não adotará, pois receberia aplausos somente da criminalidade organizada.

Por João Benedicto de Azevedo Marques, procurador de justiça aposentado (MPSP), advogado. Foi secretário nacional de Justiça (2002, governo FHC).

* * *

NÃO

INVESTIGAÇÃO É ATIVIDADE DE POLÍCIA

O atual clima de insegurança pública e de medo vem gerando uma forte demanda popular e midiática por mais rigor penal, maior efetividade do Estado nessa área e pelo fim da generalizada impunidade, sobretudo da corrupção e das mais graves e sistemáticas violações dos direitos humanos.

É nesse quadro de intranquilidade nacional e de protestos reiterados, que vem se agravando assustadoramente desde 1980 (quando contávamos com 11,7 mortes para cada 100 mil habitantes, contra 27,3 em 2010), que o Ministério Público, duramente cobrado pelas reivindicações punitivistas, passou a investigar alguns delitos por sua conta e risco, especialmente os relacionados com o crime organizado e os cometidos por policiais.

Por mais que a jurisprudência, nomeadamente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, continue ratificando as suas investigações autônomas ou paralelas, a verdade é que ainda não existe lei inequívoca que lhe dê, com nitidez, esse poder.

Daí as contínuas controvérsias e alegações de nulidade, que andam forjando grande insegurança jurídica sobre o tema.

A maior prova da nebulosidade nesse campo reside no seguinte: por falta de expressa disposição legal, que é exigência básica do Estado de Direito, primordialmente quando em jogo estão direitos fundamentais dos investigados, todo procedimento dessa natureza do Ministério Público está regulamentado por resoluções ou atos normativos dos procuradores-gerais.

Esses atos, no entanto, não possuem o status de lei.

Diante desse déficit de legalidade, as investigações não são uniformes, e os procedimentos adotados não são idênticos.

O mais grave: não existe controle judicial periódico delas. Aliás, há juízes que não as reconhecem e, assim, se recusam a arquivar tais procedimentos, quando nada é apurado contra o suspeito. Nem é preciso enfatizar o limbo em que se encontra essa situação, e tudo por falta de regulamentação legal.

Seja por falta de segurança jurídica, que deveria ser enfrentada pelo legislador urgentemente, seja por ausência de estrutura material, seja, enfim, pela falta de treinamento específico --especialização-- para o adequado desempenho da atividade investigativa, não há como o Ministério Público assumir, neste momento, de forma independente, a premente tarefa de apurar os crimes e sua autoria.

Por maior boa intenção que exista, ninguém pode dar passos maiores que as pernas.

No estágio em que nos encontramos, de aguda insegurança coletiva e de medo difuso, todo esforço investigativo do Ministério Público, supletivo ou complementar, sobretudo quando se trata do crime organizado, dos crimes do colarinho branco e dos praticados pela própria polícia, será muito bem-vindo, mas sempre em conjunto com os órgãos autorizados, para isso, por força de lei expressa e inequívoca.

Nosso Estado Democrático de Direito muito ganharia se todas as instituições de segurança pública deixassem de se digladiar e somassem seus parcos recursos e ingentes esforços no sentido de proporcionar à nação brasileira uma Justiça mais equilibrada, mais justa e menos sujeita a improvisações, discriminações e incertezas.

Por Luiz Flávio Gomes, doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor de justiça (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001).

Fonte: Blog Promotor de Justiça
Jornal "A Folha de S. Paulo" de 23/06/2012

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