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Ao juiz só restou o sentimento de indignação, misturado com impotência e esperança.

Posted by Chrystiano Angelo On sábado, 13 de agosto de 2011 0 comentários




Numa Manhã de Outono

João Marcos Buch *

No Presídio Regional de Joinville, o juiz em passagem pelos corredores conversa com os detentos. Já no meio do caminho, ao passar por uma das celas, o primeiro a atender é um rapaz de 18 anos:
- Juiz, quero saber quanto tempo vai demorar para eu ser julgado.
O juiz, lembrando vagamente daquele detento, pergunta:
- De onde te conheço? você já teve algum processo comigo?
- Não, não senhor.
- Mas eu te conheço, isso agora tenho certeza, mas de onde?
- É lá do sinaleiro da João Colin com a do Ginástico. Eu conversava bastante com o senhor quando vendia canetas e balas na hora do almoço.
- JAILTON (nome fictício)??? não acredito!
Em frações de segundos o juiz lembrou do Jailton. Sempre que almoçava nas proximidades, na volta, naquela sinaleira encontrava o menino vendendo algo. Apesar de radicalmente pobre e morando só com a mãe, num dos confins da cidade, era um adolescente esperto e comunicativo, feliz afinal de contas. Acostumado que estava com as lides criminais e sabedor do histórico dos réus, o juiz pensava que poderia por meio de conselhos evitar o pior, evitar que a roda da miséria alcançasse mais aquele ser humano. Chegou a cobrar os estudos e pedir o boletim escolar. Para sua surpresa o recebeu, dias depois, num início de tarde ensolarado, naquele mesmo semáforo, sob o olhar altivo do rapaz. Histórico exemplar, notas só acima de oito, com um sete em química escondido, é verdade. O juiz, contente com a responsabilidade do rapaz, deu os parabéns e falou para seguir naquele caminho de estudo. Acreditava e se propunha ainda a encontrar algum trabalho de aprendiz para o jovem e assim pediu que este o procurasse no Fórum dentro de algum tempo. Nunca mais o viu.
O Leviatã finalmente o apanhara, sem pena e sem culpa. A roda da miséria rodava com mais força. A humanidade perdia mais uma vez.
Encontrado agora pelo juiz, aquele mesmo jovem de antes não tinha mais a alegria infantil que tanto identifica a adolescência. Abatido, arcado, olhos já não tão curiosos, e mais, com nítida vergonha do problema que enfrentava, com as mãos e lábios tremendo, o jovem não conseguiu explicar seu caso. Apenas disse que estava preso por tentativa de homicídio - tentativa de homicídio!!!. Sem outros comentários, logo se afastou para dentro do breu da cela, sendo sucedido por outro detento, e por mais outro, mais outro.
Ao juiz só restou o sentimento de indignação, misturado com impotência e esperança. Indignação porque as políticas públicas desenvolvidas não percebem ou não querem perceber que boa parte da violência urbana poderia ser evitada com inclusão social, educação e emprego. Ou seja, com mínimo de dignidade e respeito. Impotência porque para o caso do rapaz nada podia fazer. O mal maior já havia ocorrido e outro cidadão já havia sofrido uma tentativa de homicídio, com traumas e sequelas muito provavelmente irreparáveis. E esperança – sim, esperança – porque ainda pôde perceber na atitude do jovem que aquele caminho não era e nunca havia sido por ele desejado. Quem sabe se depois de tudo ainda não havia alguma alternativa, alguma reinserção social. Mas apenas se o Leviatã deixasse.

* Juiz de Direito em Joinvile (SC), membro do Conselho de Administração da Associação Juízes para a Democracia (AJD)
Fonte: http://gerivaldoneiva.blogspot.com/2011/08/ao-juiz-so-restou-o-sentimento-de.html


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