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TJRJ determina o fim da revista vexatória em presídios

Posted by Chrystiano Angelo On terça-feira, 5 de maio de 2015 0 comentários


A 13º Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, deu provimento ao recurso da Defensoria Pública, que buscava o fim da revista vexatória nos presídios do Estado. Com a decisão, restou proibida a revista íntima vexatória nos visitantes dos presídios e das casas de detenção, foi fixada multa de 10.000,00 (dez mil reais) por dia, em caso de descumprimento. Em seu voto o desembargador Gabriel de Oliveira Zefiro, questionou: Alguém duvida de que ficar nu, agachar-se e expor as partes íntimas não é algo degradante? Algum de nós, em sã consciência, aceitaria que a sua mãe, a sua esposa ou a sua filha se submetessem a isso? Só aceitaria se fosse obrigado pelas circunstâncias da vida; ou se humilha ou não vê o filho, o marido ou o pai.”.
Confira a integra da decisão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO, nº 0008637-13.2015.8.19.0000, em que é AGRAVANTE DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO e AGRAVADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
ACORDAM, por maioria de votos, os Desembargadores que compõem a Décima Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
VOTO
Adoto o relatório de fls.
Trata-se de Ação Civil Pública na qual se busca a prestação jurisdicional para que cessem as revistas vexatórias aos visitantes dos presos no sistema carcerário do Estado do Rio de Janeiro.
O juízo de primeiro grau indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela.
Antes de enfrentar o mérito, devem ser objeto de análise os limites da demanda.
Na petição inicial, o requerente postula no item 3, a fls. 43: “O deferimento da antecipação dos efeitos da tutela pretendida, com a determinação de que o Réu se abstenha de realizar revista manual, íntima, naqueles que realizam visitas ao seu familiar ou amigo no sistema penitenciário, sob pena de multa a ser arbitrada por este r. Juízo”.
Ao se referir o requerente a “revista manual”, tem-se a impressão de que está a tratar da revista normal, que se dá, por exemplo, nos aeroportos, ou mesmo a que se executa na entrada do Fórum da Comarca da Capital. Mas não é isso.
No bojo da inicial, e bem mais claro pelo teor do agravo, verifica-se que o inconformismo do autor volta-se à realização das revistas ditas “íntimas”, aquelas em que os indivíduos, quase sempre as mulheres, são obrigados a se despir, a se agachar, por vezes até mesmo a escancarar suas partes íntimas, na intenção de se verificar se levam oculto, em seus corpos, material ilícito a ser entregue aos detentos.
Essa prática existe no sistema carcerário. Este magistrado teve a oportunidade de julgar, há mais de vinte anos, uma mulher que foi presa ao tentar entrar no presídio da Ilha Grande com um envelope de cocaína inserido na vagina. Foi descoberta mediante revista íntima. Ou seja, a prática é antiga, comum e medieval.
O que se julga aqui, portanto, é a legalidade da revista vexatória, que, como a definição indica, sujeita o cidadão a constrangimento, o expõe pela nudez, diminui a sua autoestima, assusta a criança, choca o adulto, causa indignação ao idoso. Extraio o seguinte parágrafo do Agravo de Instrumento:
Noutro bordo, cumpre observar que a Defensoria Pública não pretende impedir a realização de revista e fiscalização nos visitantes de pessoas em situação de privação de liberdade. Evidente que não. O que se postula é que este procedimento se dê com respeito à Dignidade da Pessoa Humana (art. 1°, III) e aos direitos fundamentais, tais como, a intimidade, privacidade, honra, integridade física, moral e psicológica e a proscrição de tortura, tratamento desumano e degradante (art. 5°, III).
Fixados os limites da lide, pontuado o que se julga neste recurso, e com a certeza de que os fatos alegados na Ação Civil Pública (revista vexatória) se mostram certos e indiscutíveis pela veracidade solar da notoriedade, passa-se ao exame das normas legais pertinentes.
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O artigo 1º da Constituição Federal estatui como fundamento do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Não nos renderemos à armadilha de discutir a eficácia do princípio constitucional. Tratando-se do Estado, não se admite ação ou omissão que resulte na inobservância de seu próprio fundamento. Nessa qualidade, a de fundamento, a dignidade da pessoa humana é um dos alicerces do Estado, uma de suas razões de existir, um de seus escopos. Portanto, não se encontra em discussão a eficácia da norma constitucional. É a razão de ser existencial do Estado que entra em berlinda no cotejo entre a diretriz da Constituição e a conduta dos agentes do Estado.
De tal sorte, a conduta estatal que leve o indivíduo ao vilipêndio de sua condição humana constitui-se em uma agressão, não apenas à Constituição, mas também ao próprio Estado; uma contradição sistêmica, grave entropia.
O artigo 5º da Constituição Federal, por sua vez, estabelece o seguinte:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
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III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
Alguém duvida de que ficar nu, agachar-se e expor as partes íntimas não é algo degradante? Algum de nós, em sã consciência, aceitaria que a sua mãe, a sua esposa ou a sua filha se submetessem a isso? Só aceitaria se fosse obrigado pelas circunstâncias da vida; ou se humilha ou não vê o filho, o marido ou o pai. 5 E aí há outro ponto a ser considerado: presos têm mães, esposas e filhas, além de outros parentes e amigos. A eles estendem-se os infortúnios, ainda que merecidos, da prisão? O artigo 5º, parágrafo XLV, da Constituição Federal estabelece que“nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.
A norma constitucional não deixa margem a dúvidas: nenhuma pena passará da pessoa do condenado. Não é o que se dá com a revista vexatória? Sim.
Sob o prisma legal, a revista vexatória é ilícita. As normas infraconstitucionais atinentes, inclusive as de índole administrativa, trazidas pelo agravante servem de reforço à sua tese, mas são desnecessárias diante da força da norma constitucional aplicável. Sob o prisma moral, é indefensável.
A estratégia da administração carcerária em se valer da revista íntima vexatória não resiste à lógica mais comezinha, porque é inadequada e desnecessária. Os presos não só podem, como devem, ser revistados. Os detentos estão submetidos à disciplina carcerária, nos termos da Lei das Execuções Penais. Por que não são revistados logo após o período das visitas? Aquilo que, porventura, lhes fosse entregue seria descoberto. É questão de organização e método.
Não há detectores de metal na entrada dos presídios?
As bolsas e os demais objetos que as visitas trazem não são revistados?
Quem for viajar de avião passa por esse tipo de revista. Não há nada de degradante nisso. Por que não se o faz nos presídios?
Talvez porque tenha-se optado pela solução mais barata: fiquem nus, de cócoras etc…
Por isso VOTO no sentido de dar provimento ao recurso.
Passo ao dispositivo, didático ao máximo para a hipótese.
O QUE ESTÁ PROIBIDO
Pela presente decisão, fica proibida a revista íntima vexatória nos visitantes dos presídios e casas de detenção do Estado. A inobservância desse preceito implicará multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de descumprimento. Desde já, alerto aos Sr. Diretores de Presídio para o disposto no parágrafo único do artigo 14 do CPC, que estabelece a possibilidade de lhes estender a multa pelo descumprimento do comando judicial.
O QUE É PERMITIDO
Há situações em que o óbvio precisa ser esclarecido. Vamos lá:
É permitido que os visitantes sejam submetidos ao detector de metais, bem como à determinação de que exibam o que trazem em bolsas, pastas, carteiras, mochilas etc.
É permitida a revista pessoal, não vexatória, consoante o previsto no artigo 244 do CPP, que independe de mandado.
É permitida a revista nos detentos, os quais estão submetidos à disciplina carcerária, na forma das normas administrativas pertinentes.
Rio de janeiro, 29 de abril de 2015. ________________________REVISOR DES. GABRIEL DE OLIVEIRA ZEFIRO

 Imagem Ilustrativa do Post: Inside looking out // Foto de: José Eugenio Gómez Rodríguez // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/jegomezr/15469712079/
Fonte: http://emporiododireito.com.br/tjrj-determina-o-fim-da-revista-vexatoria-em-presidios/

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