Desembargador dá aula em Juiz que mandou Defensor estudar
AGRAVO
EM EXECUÇÃO PENAL
PROCESSO
N. 2013.3.018452-8 (CNJ 0000720-36.2012.814.0048)
AGRAVANTE: NÉLIO
CUNHA MACHADO (Defensor Público Fernando Albuquerque de Oliveira)
AGRAVADO: MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ (Promotor de Justiça Mauro José Mendes de
Almeida)
PROCURADORA
DE JUSTIÇA: CÂNDIDA DE JESUS RIBEIRO DO NASCIMENTO
RELATOR:
DES. JOÃO JOSÉ DA SILVA MAROJA
EMENTA
AGRAVO
EM EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO. CERTIDÃO
CARCERÁRIA DE ATRIBUIÇÃO DO DIRETOR DA CASA PENAL. MAU COMPORTAMENTO
CARCERÁRIO: INDISPENSABILIDADE DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. COMPROVADA
VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO DE 1988 E À LEI DE EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO PROVIDO.
DECISÃO UNÂNIME.
I – A
Lei n. 10.792, de 2003, modificou a redação do art. 112 da Lei de Execução
Penal, abolindo a exigência de exame criminológico como condição para apreciar
pedidos de progressão de regime e outros incidentes executivos, relegando a
demonstração do requisito subjetivo a certidão carcerária a ser expedida pelo
diretor da casa penal.
II –
Todavia, a infeliz opção legislativa não eliminou, obviamente, os direitos
constitucionais do apenado ao contraditório e à ampla defesa, de modo que a sua
classificação no mau comportamento carcerário somente pode ser procedida após,
no mínimo, uma justificação, senão procedimento disciplinar. Precedentes do STF
e do STJ.
III – Na
espécie destes autos, o agravante foi classificado no mau comportamento
carcerário sob acusação de faltas gravíssimas, inclusive incitação a rebeliões,
contudo não há notícia de qualquer apuração dos supostos fatos, a sugerir
desídia da própria casa penal e do juízo da execução, que poderia, este último,
ter determinado a realização de exame criminológico, em caráter facultativo,
para elucidar melhor a situação posta.
IV –
Agravo provido para, diante da ausência de comprovação da falta grave,
determinar a progressão do agravante para o regime semiaberto. Decisão unânime.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da 3ª
Câmara Criminal Isolada do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, sob a
presidência da Desembargadora Maria de Nazaré Silva Gouveia dos Santos, em
conformidade com a ata de julgamento e as notas taquigráficas, por unanimidade
de votos, em conhecer do agravo em execução penal e, no mérito, dar-lhe
provimento, nos termos do voto do relator.
Belém (PA), 5 de dezembro de 2013.
Des.
João José da Silva Maroja
Relator
RELATÓRIO
Cuida-se de agravo em execução penal interposto por Nélio Cunha Machado,
atacando a decisão que indeferiu o seu pleito de progressão de regime.
Em suas razões recursais (fls. 18/23), o agravante pondera que o indeferimento
da progressão violou a Constituição de 1988, além de tratados e convenções dos
quais o Brasil é signatário. Destaca já ter cumprido, à época, um ano e nove
meses de sua pena, em regime fechado. Quanto ao seu comportamento carcerário,
surpreendentemente, o diretor do estabelecimento penitenciário classificou como
“mau”, sob o argumento de que o agravante descumpre normas disciplinares,
instiga os outros internos a motins e rebeliões, além de desrespeitar
funcionários e diretores da instituição.
Aponta a inexistência de critérios objetivos a justificar a afirmação, bem como
de procedimento administrativo para apuração dos fatos, pois o mau
comportamento carcerário decorre da prática de falta disciplinar, apurada de
acordo com o contraditório e a ampla defesa. Ressalta que o próprio Ministério
Público se manifestou pela impossibilidade de negar a progressão sem que a
conduta do apenado fosse objetivo do devido procedimento.
A decisão judicial, assim, lastrou-se em mero alvedrio do diretor da casa
penal, dando margem à administrativização das decisões judiciais em execução
penal, transformando o judiciário em mero homologador das deliberações do
diretor da casa penal.
Em contrarrazões (fls. 24/28), o promotor de justiça ratificou seu parecer, no
sentido de que a classificação no mau comportamento não se socorreu no
procedimento apuratório devido. Aduz que, além do requisito objetivo da
progressão, “não há relato de falta grave praticada pelo agravante”. Outrossim,
o correto seria, caso houvesse dúvida, que o apenado “fosse submetido a exame
criminológico a ser efetuado por comissão técnica especializada que atestasse a
sua aptidão para ingressar no regime mais brando”, motivo pelo qual conclui
manifestando-se em favor do agravo.
Seguindo o rito do recurso em sentido estrito, o juízo a quo manteve
a decisão agravada (fls. 29/33), alegando haver jurisprudência pacífica nos
tribunais superiores sobre o tema. Alega que cabe ao diretor do presídio
expedir certidão de comportamento carcerário, recomendando ao defensor público
que se atualize e estude diariamente, para evitar “a utilização de teses
ultrapassadas, teratológicas e em clara afronta ao ordenamento jurídico”,
seguindo em outros juízos de valor.
Diz, mais, que “a jurisprudência do STJ há consideráveis anos se posiciona no
sentido de que o mau comportamento carcerário, atestado pelo Diretor do
Presídio, basta para obstar a progressão de regime”. Clama pelo cumprimento das
leis, para que não se fira o direito “dos cidadãos de ter uma convivência
segura e harmônica em sociedade”. Conclui dizendo que, em matéria de execução
penal, vigora o princípio in dubio pro societate.
A procuradoria de justiça, em seu parecer (fls. 39/42), utiliza os arts. 50, I,
e 118, § 2º, da Lei de Execução Penal para recomendar o provimento do agravo.
É o relatório.
VOTO
O agravante está condenado à pena de oito anos de reclusão, por um delito de
roubo majorado pelo concurso de agentes e emprego de arma.
Em 6.12.2012, requereu progressão para o regime semiaberto, considerando que,
por estar preso desde o flagrante delito, em 7.6.2011 (consoante informa a guia
de recolhimento provisório, fls. 2/3), já cumprira o requisito objetivo para a
medida. Quanto ao subjetivo, não omitiu o fato de estar classificado no mau
comportamento carcerário, por decisão do diretor da casa penal, através de
certidão carcerária que impugnou, sob o argumento de não ter havido processo
administrativo, assegurados o contraditório e a ampla defesa.
Invocou precedentes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande Sul para
afirmar que “a mera retórica da autoridade do cárcere não é hábil a sustentar
negativa de benefício ao apenado”.
Pediu também que, após a progressão, seja-lhe deferida saída temporária para o
natal, além de expedição de atestado de pena a cumprir e promoção de efetivas
ações de reinserção social do apenado. E em caso de não haver vaga no regime
semiaberto, pediu desde logo o recolhimento domiciliar.
O atestado de conduta carcerária (fl. 10), subscrito pelo diretor do Centro de
Recuperação Regional de Salinópolis, menciona que “o apenado não desenvolve
atividades laborativas nesta Casa Penal” e mais o seguinte:
“Conforme
pesquisa realizada em seu prontuário e pelas observações feitas por esse setor,
verificou-se que há vários registros que comprometem a sua conduta carcerária.
Durante sua permanência nesta Casa Penal, não cumpre as normas disciplinares
estabelecidas pela mesma, instiga os demais internos a motins, rebeliões e
afins, não respeita funcionários e membros da Direção.”
A promotoria de justiça, ao funcionar no feito como custos legis,
opinou pela concessão da progressão, ao reconhecer que a classificação do
apenado não fora precedida do procedimento disciplinar devido (fl. 11). No
entanto, o juízo a quo indeferiu o pedido, invocando o art.
112 da Lei de Execução Penal e precedente do Superior Tribunal de Justiça, no
sentido de que o “mau comportamento carcerário, atestado pelo Diretor do
Presídio, basta para obstar a progressão de regime” (fl. 12).
Houve então o presente recurso, que contou com nova manifestação favorável do
órgão ministerial, reiterada pela procuradoria de justiça, desta feita sendo
mais enfático quanto à ausência de “relato de falta grave praticada pelo
agravante” e, consequentemente, de procedimento disciplinar. Mesmo assim, o
juízo a quo manteve sua decisão, partindo para inexplicável e
gratuita agressividade contra o defensor público, a quem tratou com falta de
educação e desrespeito, mandando que fosse estudar e violando, assim, normas
elementares de urbanidade. Em sua decisão, acusa o defensor de agir com ira
e desrespeito, o que sugere a existência de animosidade surgida por alguma
razão desconhecida, porque nestes autos nada sugere qualquer procedimento
reprovável por parte da defesa.
Estabelecida
a controvérsia, imperioso prestar algumas informações que, provavelmente, serão
muito didáticas para o juiz prolator da decisão agravada.
Em sua redação original, o art. 112, parágrafo único, da Lei n. 7.210, de 1984
– Lei de Execução Penal, dispunha que a decisão sobre progressão de regime
seria “motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e
do exame criminológico, quando necessário”.
Entretanto, como sabem os estudiosos da matéria, a elogiada Lei de Execução
Penal brasileira jamais foi cumprida em todos os seus termos. Nunca houve
interesse em fazer os investimentos necessários para a sua efetiva
implementação, eis que a população carcerária é marginalizada, tanto no sentido
do envolvimento com o crime, quanto no sentido de não merecer a atenção do poder
público, até porque preso não vota – realidade ainda predominante que começou a
mudar recentemente.
Transformado o sistema penitenciário na tragédia que a ninguém é dado
desconhecer, não havia a infraestrutura necessária para a realização do
indispensável exame criminológico, o que trazia muitos embaraços para a decisão
de incidentes executivos que dele dependiam. A solução encontrada pelo poder
público foi tipicamente brasileira: em vez de investir para dotar o sistema da
capacidade necessária para suprir as exigências legais, mudou-se a lei para
abolir a exigência do exame criminológico!
Foi assim que veio a lume a Lei n. 10.792, de 2003, que, entre outros
desatinos, mudou a redação do art. 112 da LEP, passando a prever que a
progressão de regime, o livramento condicional, o indulto e a comutação de
penas dependeriam do requisito temporal e também do subjetivo, consistente em
“bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento”.
É a esta norma que o juiz prolator da decisão agravada se aferra, em
seu colérico ardor, transparecendo desconhecimento de sua origem obscura,
que mereceu severíssimas críticas desde o primeiro momento. Não se está aqui a
fazer apologia do exame criminológico, que também faz jus a muitos e relevantes
questionamentos. E, sim, a destacar que a mudança legislativa atende a uma
tendência muito grave de nosso tempo, que é o expansionismo penal, o aumento da
repressão, que se revela sob muitas vertentes, uma delas a chamada administrativização
do direito penal e da execução penal– fenômeno que o professor catedrático
da Universidad Autónoma de Madri Bernardo Feijoo Sanchez trata como “patologia”''''.
Sobre o tema, em parecer sobre projeto de lei que pretende
“administracionalizar os benefícios da execução penal”, o autodenominado
Movimento Antiterror [Legal], que reúne juristas contrários à expansão do
direito penal, é enfático:
“Destarte,
a pretensão de administrativizar-se a execução penal acaba por viciar todo o
sistema no seu eixo fundamental, justamente na sua maior conquista,
consubstanciada no princípio da jurisdição, corroendo a essência
garantista da execução da pena e causando intolerável retrocesso institucional
e humano. Isto porque, principalmente depois da vitória de 1984, foram
abandonados os projetos orientados pela “ajurisdicionalidade” da execução
penal, justamente porque neles é eliminada a importante conquista do apenado, a
execução penal enquanto espaço de jurisdição.
(...) Em
terceiro, a administracionalização afasta o juízo do debate sobre os benefícios
(que, como se disse, são direitos), sendo previsível o aumento da rede de
corrupção das casas prisionais diante da proximidade do administrador-decisor
com o administrado-interessado. Após o exame das questões que envolvem a
proposta de projeto, pode-se atestar que se trata de um projeto que esconde a
motivação real: aumento de poder nas relações intra-muros. O administrador deterá
poder absoluto sobre a vida do encarcerado, aumentando a facilidade de
corrupção estatal/institucional já patológica nos presídios.”
Esse fenômeno agiliza a punição, mas compromete a salvaguarda de direitos, pois
esta dependerá de medidas judiciais. Além disso, a ação do judiciário está
submetida ao contraditório e à ampla defesa, além de exigir fundamentação
adequada. Estas exigências, em princípio, não incidem de modo tão intenso sobre
decisões administrativas, facilitando o exercício do arbítrio, que pode ser
sanado através de recursos internos ou remédios judiciais, mas até lá uma
ilegalidade terá sido perpetrada.
Ao se deixar tomar pela ira, o magistrado não observou que sua argumentação
passa ao largo da tese sustentada pelo agravante e pelo Ministério Público. Com efeito, ninguém ignora que, por decisão legislativa malsinada,
porém vigente, compete ao diretor da casa penal expedir certidão de conduta
carcerária, lastreando-se em informações obtidas junto aos agentes responsáveis
pelo trabalho, segurança dentre outros, mas decidindo por conta própria, já que
não existe obrigatoriedade de consultar profissionais, como antes se previa
através da Comissão Técnica de Classificação.
A questão trazida aos autos, todavia, não é essa. O que se discute é o fato de
que o diretor da casa penal teria violado a Constituição de 1988 e a lei, ao
classificar o agravante como preso de mau comportamento, imputando-lhe faltas
graves – inclusive incitação a rebeliões –, sem no entanto mandar instaurar
qualquer procedimento investigatório.
Com efeito, trata-se de uma afirmação vazia, que depende da credibilidade cega
que se empreste àquela autoridade, porquanto não se sabe quando foi que o
agravante praticou tais condutas reprováveis, nem tampouco quem teriam sido os
funcionários e membros da direção ofendidos, nem quais as demais violações
disciplinares praticadas. Aliás, não se sabe, sequer, se tais fatos realmente
aconteceram.
São tão graves as acusações imputadas ao agravante que causa perplexidade não
haver registro de procedimento disciplinar contra ele. Se admitirmos como
verdadeiras as alegações do diretor da casa penal, então este é que deveria tornar-se
alvo de investigação, por inércia, tão gritante é a sua omissão. E
também o juiz da comarca deveria responder disciplinarmente, por não
identificar o problema mesmo quando deliberando em autos de execução, deixando
de determinar as providências cabíveis.
Enquanto as autoridades se omitem, o defensor público que denuncia a
ilegalidade é atacado. No mínimo, uma inversão de valores.
Sobre a impossibilidade de classificar preso no mau comportamento carcerário
sem a devida apuração, assegurados a ampla defesa e o contraditório, é clara a
jurisprudência. Atualmente, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça estão mitigando a exigência de processo disciplinar, no sentido de que
este pode ser substituído por uma simples justificação, como demonstram os
julgados abaixo, todos deste ano:
“PENAL,
PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO
DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CF. ART. 102, I, “D” E “I”. ROL
TAXATIVO. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA: PARADOXO.
ORGANICIDADE DO DIREITO. PRÁTICA DE FALTA GRAVE DURANTE O CUMPRIMENTO DE PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.
ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA NO ATO DO INTERROGATÓRIO. NULIDADE
SANÁVEL COM A OITIVA DO CONDENADO EM AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. ORDEM DE HABEAS
CORPUS DENEGADA. 1. 'A Lei de Execuções Penais não impõe a
obrigatoriedade de instauração do procedimento administrativo disciplinar,
sendo, entretanto, imprescindível a realização de audiência de justificação,
para que seja dada a oportunidade ao Paciente do exercício do contraditório e
da ampla defesa'. 2. A oitiva do condenado em audiência de justificação
realizada na presença do defensor e do Ministério Público supre eventual
nulidade decorrente da ausência ou deficiência de defesa técnica no curso de
Procedimento Administrativo Disciplinar instaurado para apurar a prática de
falta grave durante o cumprimento da pena privativa de liberdade. Precedentes:
HC 109.536, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 15.06.12;
RHC 109.847, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJ de 06.12.11;
HC 112.380, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJ de 22.06.12. 3. In
casu, a) o Juízo da Execução deixou de homologar o PAD sob o fundamento de
ausência de defesa técnica no ato do interrogatório, destacando que a nomeação
de advogado dativo vinculado ao órgão acusador (SUSEP) para atuar no feito
violaria os princípios do contraditório e da ampla defesa; b) A Corte Estadual,
no julgamento do agravo em execução interposto pelo Ministério Público afirmou
que o ato do interrogatório realizado na via administrativa não acarretou
qualquer prejuízo à defesa, bem como determinou fosse realizada audiência de
justificação, nos termos do artigo 118, § 2º, da LEP. (...) Ordem de habeas
corpus denegada.” (STF, 1ª Turma – HC 110278/RS – rel. Min. LUIZ FUX –
j. 25/6/2013 – processo eletrônico DJe-159 DIVULG 14-08-2013 PUBLIC
15-08-2013)
“HABEAS
CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA
DAS CORTES SUPERIORES. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO
DESTE TRIBUNAL, EM CONSONÂNCIA COM A SUPREMA CORTE. EXECUÇÃO PENAL. APURAÇÃO DE
FALTA GRAVE. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DIRETOR DA
PENITENCIÁRIA. ATRIBUIÇÃO EM CONFORMIDADE COM A LEI N.º 7.210/84. MATÉRIA
APRECIADA PELA CORTE DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE QUE,
EVENTUALMENTE, PUDESSE ENSEJAR A CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. ORDEM DE HABEAS
CORPUS NÃO CONHECIDA. (...) Nos termos do art. 59 da Lei n.º
7.210/1984: '[p]raticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o
procedimento para sua apuração, conforme regulamento, assegurado o direito de
defesa.' (...) Ordem de Habeas corpus não conhecida.” (STJ, 5ª
Turma – HC 216506/SP – rel. Min. Laurita Vaz – j. 3/9/2013 – DJe 11/09/2013)
“AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
IMPOSSIBILIDADE. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PARA APURAÇÃO DE FALTA
GRAVE. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. DEFESA FEITA POR ASSESSORIA JURÍDICA DO ÓRGÃO.
POSSIBILIDADE. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO. (...) O art. 118, § 2º, da Lei de Execução Penal, não impõe a
obrigatoriedade de instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar para
o reconhecimento da referida infração, mas exige a realização de audiência de
justificação que possibilite a oitiva prévia do sentenciado, garantindo-se,
desse modo, o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3. Agravo
regimental improvido.” (STJ, 5ª Turma – AgRg no REsp 1346921/RS – rel. Min. Campos
Marques (convocado) – j. 4/6/2013 – DJe 7/6/2013)
Resta evidente, portanto, que é vedado ao diretor da casa penal promover
classificações prejudiciais ao apenado sem lhe oportunizar o direito de defesa,
o que por si só encerra esta questão, dando-se razão ao Ministério Público e ao
agravante.
Contudo, ainda se pode dizer mais. Embora o exame criminológico tenha deixado
de ser uma exigência legal, como forma de mitigar os efeitos nocivos da péssima
inovação legislativa, o judiciário firmou interpretação de que esse instrumento
continua válido, sendo facultativa a sua determinação, e recomendável nos casos
em que o juiz da execução pretenda tomar uma deliberação com maior conhecimento
de causa.
“HABEAS
CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. EXAME CRIMINOLÓGICO.
POSSIBILIDADE. SÚMULA VINCULANTE 26. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA.
REQUISITO SUBJETIVO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO NESTE WRIT.
VEDAÇÃO. JURISPRUDÊNCIA DO STF. ORDEM DENEGADA. I – Prevalece nesta Corte
o entendimento no sentido de que a alteração do artigo 112 da LEP pela Lei
10.792/2003 não proibiu a realização do exame criminológico, quando necessário
para a avaliação do sentenciado, tampouco proibiu a sua utilização para a
formação do convencimento do magistrado sobre o direito de promoção para regime
mais brando. (...) No caso dos autos, o acórdão proferido do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo está em consonância com a jurisprudência desta
Corte, pois ao concluir pela necessidade de realização do exame criminológico
apresentou fundamentação idônea. (...) Ordem denegada.” (STF, HC 114409/SP –
rel. Min. Ricardo Lewandowski – j. 19/3/2013 – processo eletrônico
DJe-160 DIVULG 15-08-2013 PUBLIC 16-08-2013)
Em
um caso tão controverso como este, deveria o juiz da execução penal promover as
medidas necessárias para analisar o caso do agravante, em vez de simplesmente
se conformar com qualquer manifestação da casa penal, cuja ilegalidade foi
ratificada e reiterada pelo próprio juízo.
Por último, o magistrado prolator da decisão agravada atacou o defensor
público como “colérico e singelo condutor de teses vencidas” (fl. 29),
para ao final de sua decisão asseverar que “em matéria de execução, vigora o
princípio doin dubio pro societate (na dúvida, deve-se interpretar
em favor da sociedade” (fl. 32).
Poucos
argumentos são tão obsoletos, abusivos e inconstitucionais quanto o
tal in dubio pro societate, em que pese a sua subsistência na
jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal. Há, todavia, decisões em
sentido contrário, como a que as Câmaras Criminais Reunidas deste tribunal
proferiram, à unanimidade, em feito sob minha relatoria:
“EMBARGOS
INFRINGENTES EM RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONTRA PRONÚNCIA DO RÉU. IN
DUBIO PRO SOCIETATE: VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CERCEAMENTO DA
PLENITUDE DA DEFESA. MÉRITO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL.
PLAUSIBILIDADE DA IMPUTAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. I – O
brocardo in dubio pro societate não se coaduna com a vigente
ordem constitucional brasileira pois, se persistem dúvidas quanto ao
envolvimento do réu no crime, é porque o Ministério Público não foi capaz de
comprovar a plausibilidade da imputação, não se podendo resolver essa falência
funcional em prejuízo do acusado. (...) Embargos improvidos. Decisão unânime.”
(TJ/PA, Câmaras Criminais Reunidas – Embargos Infringentes em Recurso em
Sentido Estrito n. 2004.3.001482-2 – rel. Des. João José da Silva Maroja –
Acórdão n. 61.503 – j. 24.4.2006 – DJ 5.5.2006)
Sob toda a fundamentação supra, e acolhendo as sucessivas manifestações do
Ministério Público, conheço do agravo e, no mérito, dou-lhe
provimento para, reformando a decisão agravada, determinar ao
juízo a quo que promova a progressão do agravante para o
regime semiaberto, salvo se o mesmo tiver sofrido, no prazo legal,
penalidade pela prática de falta grave, devidamente apurada sob a forma de
procedimento disciplinar ou justificação, em relação a fatos diversos daqueles
que levaram à emissão do atestado de conduta carcerária de fl. 10.
Devido ao provimento do agravo, impende analisar, ainda, os pedidos
consectários.
Foi pedida saída temporária para o natal de 2012, pretensão obviamente
inviabilizada, pela perda de seu objeto. Pedido semelhante, que somente é cabível
no regime semiaberto, em relação às festividades deste ano, deve ser
apresentado diretamente ao juízo da execução. Este tribunal dele não pode
conhecer, sob pena de supressão de instância.
Acerca do atestado de pena a cumprir, é direito inquestionável do apenado
e não foi recusado expressamente pelo juízo a quo. Retornados estes
autos ao juízo de origem, deve ser atendido o pleito.
Sobre a promoção de efetivas ações de reinserção social do apenado,
cuida-se de pretensão legítima, respaldada pela constituição e legislação
específica, mas que deve ser objeto de conhecimento original pelo juízo da
execução penal, tanto para evitar a supressão de instância, quanto porque é ele
que conhece a realidade penitenciária da região onde se encontra o agravante,
para deliberar sobre o que é possível fazer.
Por último, sobre a pretensão de recolhimento domiciliar em caso de
inexistência de vaga no regime semiaberto, também se trata de matéria a ser
conhecida originalmente pelo juízo da execução penal.
É como voto.
Belém, 5 de dezembro de 2013.
Des.
João José da Silva Maroja
Relator
”“A administrativização do direito penal deve ser tratada como uma
patologia que desnaturaliza as características essenciais do direito penal,
implicando, portanto, uma utilização ilegítima da pena e das normas que
estipulam como consequência jurídica uma pena”. SANCHEZ, Bernardo Feijoo.
“Sobre a administrativização do direito penal na sociedade do risco. Notas
sobre a política criminal no início do século XXI”. In: Revista Liberdades, n.
7, maio-agosto 2011, São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, pp.
23-62.
”Disponível em
http://ww3.lfg.com.br/artigos/Parecer_Movimento_Antiterror_Execucao_Penal160306.pdf
[acesso em 28.11.2013].
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