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Desembargador dá aula em Juiz que mandou Defensor estudar

Posted by Chrystiano Angelo On quinta-feira, 9 de janeiro de 2014 0 comentários

Desembargador dá aula em Juiz que mandou Defensor estudar




AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL
PROCESSO N. 2013.3.018452-8 (CNJ 0000720-36.2012.814.0048)
AGRAVANTE: NÉLIO CUNHA MACHADO (Defensor Público Fernando Albuquerque de Oliveira)
AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ (Promotor de Justiça Mauro José Mendes de Almeida)
PROCURADORA DE JUSTIÇA: CÂNDIDA DE JESUS RIBEIRO DO NASCIMENTO
RELATOR: DES. JOÃO JOSÉ DA SILVA MAROJA



EMENTA

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO. CERTIDÃO CARCERÁRIA DE ATRIBUIÇÃO DO DIRETOR DA CASA PENAL. MAU COMPORTAMENTO CARCERÁRIO: INDISPENSABILIDADE DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. COMPROVADA VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO DE 1988 E À LEI DE EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.
I – A Lei n. 10.792, de 2003, modificou a redação do art. 112 da Lei de Execução Penal, abolindo a exigência de exame criminológico como condição para apreciar pedidos de progressão de regime e outros incidentes executivos, relegando a demonstração do requisito subjetivo a certidão carcerária a ser expedida pelo diretor da casa penal.
II – Todavia, a infeliz opção legislativa não eliminou, obviamente, os direitos constitucionais do apenado ao contraditório e à ampla defesa, de modo que a sua classificação no mau comportamento carcerário somente pode ser procedida após, no mínimo, uma justificação, senão procedimento disciplinar. Precedentes do STF e do STJ.
III – Na espécie destes autos, o agravante foi classificado no mau comportamento carcerário sob acusação de faltas gravíssimas, inclusive incitação a rebeliões, contudo não há notícia de qualquer apuração dos supostos fatos, a sugerir desídia da própria casa penal e do juízo da execução, que poderia, este último, ter determinado a realização de exame criminológico, em caráter facultativo, para elucidar melhor a situação posta.
IV – Agravo provido para, diante da ausência de comprovação da falta grave, determinar a progressão do agravante para o regime semiaberto. Decisão unânime.


ACÓRDÃO

     Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da 3ª Câmara Criminal Isolada do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, sob a presidência da Desembargadora Maria de Nazaré Silva Gouveia dos Santos, em conformidade com a ata de julgamento e as notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em conhecer do agravo em execução penal e, no mérito, dar-lhe provimento, nos termos do voto do relator.
     Belém (PA), 5 de dezembro de 2013.

Des. João José da Silva Maroja
Relator




RELATÓRIO

     Cuida-se de agravo em execução penal interposto por Nélio Cunha Machado, atacando a decisão que indeferiu o seu pleito de progressão de regime.
     Em suas razões recursais (fls. 18/23), o agravante pondera que o indeferimento da progressão violou a Constituição de 1988, além de tratados e convenções dos quais o Brasil é signatário. Destaca já ter cumprido, à época, um ano e nove meses de sua pena, em regime fechado. Quanto ao seu comportamento carcerário, surpreendentemente, o diretor do estabelecimento penitenciário classificou como “mau”, sob o argumento de que o agravante descumpre normas disciplinares, instiga os outros internos a motins e rebeliões, além de desrespeitar funcionários e diretores da instituição.
     Aponta a inexistência de critérios objetivos a justificar a afirmação, bem como de procedimento administrativo para apuração dos fatos, pois o mau comportamento carcerário decorre da prática de falta disciplinar, apurada de acordo com o contraditório e a ampla defesa. Ressalta que o próprio Ministério Público se manifestou pela impossibilidade de negar a progressão sem que a conduta do apenado fosse objetivo do devido procedimento.
     A decisão judicial, assim, lastrou-se em mero alvedrio do diretor da casa penal, dando margem à administrativização das decisões judiciais em execução penal, transformando o judiciário em mero homologador das deliberações do diretor da casa penal.
     Em contrarrazões (fls. 24/28), o promotor de justiça ratificou seu parecer, no sentido de que a classificação no mau comportamento não se socorreu no procedimento apuratório devido. Aduz que, além do requisito objetivo da progressão, “não há relato de falta grave praticada pelo agravante”. Outrossim, o correto seria, caso houvesse dúvida, que o apenado “fosse submetido a exame criminológico a ser efetuado por comissão técnica especializada que atestasse a sua aptidão para ingressar no regime mais brando”, motivo pelo qual conclui manifestando-se em favor do agravo.
     Seguindo o rito do recurso em sentido estrito, o juízo a quo manteve a decisão agravada (fls. 29/33), alegando haver jurisprudência pacífica nos tribunais superiores sobre o tema. Alega que cabe ao diretor do presídio expedir certidão de comportamento carcerário, recomendando ao defensor público que se atualize e estude diariamente, para evitar “a utilização de teses ultrapassadas, teratológicas e em clara afronta ao ordenamento jurídico”, seguindo em outros juízos de valor.
     Diz, mais, que “a jurisprudência do STJ há consideráveis anos se posiciona no sentido de que o mau comportamento carcerário, atestado pelo Diretor do Presídio, basta para obstar a progressão de regime”. Clama pelo cumprimento das leis, para que não se fira o direito “dos cidadãos de ter uma convivência segura e harmônica em sociedade”. Conclui dizendo que, em matéria de execução penal, vigora o princípio in dubio pro societate.
     A procuradoria de justiça, em seu parecer (fls. 39/42), utiliza os arts. 50, I, e 118, § 2º, da Lei de Execução Penal para recomendar o provimento do agravo.
     É o relatório.
VOTO

     O agravante está condenado à pena de oito anos de reclusão, por um delito de roubo majorado pelo concurso de agentes e emprego de arma.
     Em 6.12.2012, requereu progressão para o regime semiaberto, considerando que, por estar preso desde o flagrante delito, em 7.6.2011 (consoante informa a guia de recolhimento provisório, fls. 2/3), já cumprira o requisito objetivo para a medida. Quanto ao subjetivo, não omitiu o fato de estar classificado no mau comportamento carcerário, por decisão do diretor da casa penal, através de certidão carcerária que impugnou, sob o argumento de não ter havido processo administrativo, assegurados o contraditório e a ampla defesa.
     Invocou precedentes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande Sul para afirmar que “a mera retórica da autoridade do cárcere não é hábil a sustentar negativa de benefício ao apenado”.
     Pediu também que, após a progressão, seja-lhe deferida saída temporária para o natal, além de expedição de atestado de pena a cumprir e promoção de efetivas ações de reinserção social do apenado. E em caso de não haver vaga no regime semiaberto, pediu desde logo o recolhimento domiciliar.
     O atestado de conduta carcerária (fl. 10), subscrito pelo diretor do Centro de Recuperação Regional de Salinópolis, menciona que “o apenado não desenvolve atividades laborativas nesta Casa Penal” e mais o seguinte:
“Conforme pesquisa realizada em seu prontuário e pelas observações feitas por esse setor, verificou-se que há vários registros que comprometem a sua conduta carcerária. Durante sua permanência nesta Casa Penal, não cumpre as normas disciplinares estabelecidas pela mesma, instiga os demais internos a motins, rebeliões e afins, não respeita funcionários e membros da Direção.”

     A promotoria de justiça, ao funcionar no feito como custos legis, opinou pela concessão da progressão, ao reconhecer que a classificação do apenado não fora precedida do procedimento disciplinar devido (fl. 11). No entanto, o juízo a quo indeferiu o pedido, invocando o art. 112 da Lei de Execução Penal e precedente do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o “mau comportamento carcerário, atestado pelo Diretor do Presídio, basta para obstar a progressão de regime” (fl. 12).
     Houve então o presente recurso, que contou com nova manifestação favorável do órgão ministerial, reiterada pela procuradoria de justiça, desta feita sendo mais enfático quanto à ausência de “relato de falta grave praticada pelo agravante” e, consequentemente, de procedimento disciplinar. Mesmo assim, o juízo a quo manteve sua decisão, partindo para inexplicável e gratuita agressividade contra o defensor público, a quem tratou com falta de educação e desrespeito, mandando que fosse estudar e violando, assim, normas elementares de urbanidade. Em sua decisão, acusa o defensor de agir com ira e desrespeito, o que sugere a existência de animosidade surgida por alguma razão desconhecida, porque nestes autos nada sugere qualquer procedimento reprovável por parte da defesa.
     Estabelecida a controvérsia, imperioso prestar algumas informações que, provavelmente, serão muito didáticas para o juiz prolator da decisão agravada.
     Em sua redação original, o art. 112, parágrafo único, da Lei n. 7.210, de 1984 – Lei de Execução Penal, dispunha que a decisão sobre progressão de regime seria “motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário”.
     Entretanto, como sabem os estudiosos da matéria, a elogiada Lei de Execução Penal brasileira jamais foi cumprida em todos os seus termos. Nunca houve interesse em fazer os investimentos necessários para a sua efetiva implementação, eis que a população carcerária é marginalizada, tanto no sentido do envolvimento com o crime, quanto no sentido de não merecer a atenção do poder público, até porque preso não vota – realidade ainda predominante que começou a mudar recentemente.
     Transformado o sistema penitenciário na tragédia que a ninguém é dado desconhecer, não havia a infraestrutura necessária para a realização do indispensável exame criminológico, o que trazia muitos embaraços para a decisão de incidentes executivos que dele dependiam. A solução encontrada pelo poder público foi tipicamente brasileira: em vez de investir para dotar o sistema da capacidade necessária para suprir as exigências legais, mudou-se a lei para abolir a exigência do exame criminológico!
     Foi assim que veio a lume a Lei n. 10.792, de 2003, que, entre outros desatinos, mudou a redação do art. 112 da LEP, passando a prever que a progressão de regime, o livramento condicional, o indulto e a comutação de penas dependeriam do requisito temporal e também do subjetivo, consistente em “bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento”.
     É a esta norma que o juiz prolator da decisão agravada se aferra, em seu colérico ardor, transparecendo desconhecimento de sua origem obscura, que mereceu severíssimas críticas desde o primeiro momento. Não se está aqui a fazer apologia do exame criminológico, que também faz jus a muitos e relevantes questionamentos. E, sim, a destacar que a mudança legislativa atende a uma tendência muito grave de nosso tempo, que é o expansionismo penal, o aumento da repressão, que se revela sob muitas vertentes, uma delas a chamada administrativização do direito penal e da execução penal– fenômeno que o professor catedrático da Universidad Autónoma de Madri Bernardo Feijoo Sanchez trata como “patologia''''.
     Sobre o tema, em parecer sobre projeto de lei que pretende “administracionalizar os benefícios da execução penal”, o autodenominado Movimento Antiterror [Legal], que reúne juristas contrários à expansão do direito penal, é enfático:
“Destarte, a pretensão de administrativizar-se a execução penal acaba por viciar todo o sistema no seu eixo fundamental, justamente na sua maior conquista, consubstanciada no princípio da jurisdição, corroendo a essência garantista da execução da pena e causando intolerável retrocesso institucional e humano. Isto porque, principalmente depois da vitória de 1984, foram abandonados os projetos orientados pela “ajurisdicionalidade” da execução penal, justamente porque neles é eliminada a importante conquista do apenado, a execução penal enquanto espaço de jurisdição.
(...) Em terceiro, a administracionalização afasta o juízo do debate sobre os benefícios (que, como se disse, são direitos), sendo previsível o aumento da rede de corrupção das casas prisionais diante da proximidade do administrador-decisor com o administrado-interessado. Após o exame das questões que envolvem a proposta de projeto, pode-se atestar que se trata de um projeto que esconde a motivação real: aumento de poder nas relações intra-muros. O administrador deterá poder absoluto sobre a vida do encarcerado, aumentando a facilidade de corrupção estatal/institucional já patológica nos presídios.

     Esse fenômeno agiliza a punição, mas compromete a salvaguarda de direitos, pois esta dependerá de medidas judiciais. Além disso, a ação do judiciário está submetida ao contraditório e à ampla defesa, além de exigir fundamentação adequada. Estas exigências, em princípio, não incidem de modo tão intenso sobre decisões administrativas, facilitando o exercício do arbítrio, que pode ser sanado através de recursos internos ou remédios judiciais, mas até lá uma ilegalidade terá sido perpetrada.
     Ao se deixar tomar pela ira, o magistrado não observou que sua argumentação passa ao largo da tese sustentada pelo agravante e pelo Ministério Público. Com efeito, ninguém ignora que, por decisão legislativa malsinada, porém vigente, compete ao diretor da casa penal expedir certidão de conduta carcerária, lastreando-se em informações obtidas junto aos agentes responsáveis pelo trabalho, segurança dentre outros, mas decidindo por conta própria, já que não existe obrigatoriedade de consultar profissionais, como antes se previa através da Comissão Técnica de Classificação.
     A questão trazida aos autos, todavia, não é essa. O que se discute é o fato de que o diretor da casa penal teria violado a Constituição de 1988 e a lei, ao classificar o agravante como preso de mau comportamento, imputando-lhe faltas graves – inclusive incitação a rebeliões –, sem no entanto mandar instaurar qualquer procedimento investigatório.
     Com efeito, trata-se de uma afirmação vazia, que depende da credibilidade cega que se empreste àquela autoridade, porquanto não se sabe quando foi que o agravante praticou tais condutas reprováveis, nem tampouco quem teriam sido os funcionários e membros da direção ofendidos, nem quais as demais violações disciplinares praticadas. Aliás, não se sabe, sequer, se tais fatos realmente aconteceram.
     São tão graves as acusações imputadas ao agravante que causa perplexidade não haver registro de procedimento disciplinar contra ele. Se admitirmos como verdadeiras as alegações do diretor da casa penal, então este é que deveria tornar-se alvo de investigação, por inércia, tão gritante é a sua omissão. E também o juiz da comarca deveria responder disciplinarmente, por não identificar o problema mesmo quando deliberando em autos de execução, deixando de determinar as providências cabíveis.
     Enquanto as autoridades se omitem, o defensor público que denuncia a ilegalidade é atacado. No mínimo, uma inversão de valores.
     Sobre a impossibilidade de classificar preso no mau comportamento carcerário sem a devida apuração, assegurados a ampla defesa e o contraditório, é clara a jurisprudência. Atualmente, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça estão mitigando a exigência de processo disciplinar, no sentido de que este pode ser substituído por uma simples justificação, como demonstram os julgados abaixo, todos deste ano:

“PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CF. ART. 102, I, “D” E “I”. ROL TAXATIVO. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA: PARADOXO. ORGANICIDADE DO DIREITO. PRÁTICA DE FALTA GRAVE DURANTE O CUMPRIMENTO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA NO ATO DO INTERROGATÓRIO. NULIDADE SANÁVEL COM A OITIVA DO CONDENADO EM AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. 1. 'A Lei de Execuções Penais não impõe a obrigatoriedade de instauração do procedimento administrativo disciplinar, sendo, entretanto, imprescindível a realização de audiência de justificação, para que seja dada a oportunidade ao Paciente do exercício do contraditório e da ampla defesa'. 2. A oitiva do condenado em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público supre eventual nulidade decorrente da ausência ou deficiência de defesa técnica no curso de Procedimento Administrativo Disciplinar instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena privativa de liberdade. Precedentes: HC 109.536, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 15.06.12; RHC 109.847, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJ de 06.12.11; HC 112.380, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJ de 22.06.12. 3. In casu, a) o Juízo da Execução deixou de homologar o PAD sob o fundamento de ausência de defesa técnica no ato do interrogatório, destacando que a nomeação de advogado dativo vinculado ao órgão acusador (SUSEP) para atuar no feito violaria os princípios do contraditório e da ampla defesa; b) A Corte Estadual, no julgamento do agravo em execução interposto pelo Ministério Público afirmou que o ato do interrogatório realizado na via administrativa não acarretou qualquer prejuízo à defesa, bem como determinou fosse realizada audiência de justificação, nos termos do artigo 118, § 2º, da LEP. (...) Ordem de habeas corpus denegada.” (STF, 1ª Turma – HC 110278/RS – rel. Min. LUIZ FUX – j. 25/6/2013 – processo eletrônico DJe-159  DIVULG 14-08-2013  PUBLIC 15-08-2013)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA DAS CORTES SUPERIORES. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DESTE TRIBUNAL, EM CONSONÂNCIA COM A SUPREMA CORTE. EXECUÇÃO PENAL. APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DIRETOR DA PENITENCIÁRIA. ATRIBUIÇÃO EM CONFORMIDADE COM A LEI N.º 7.210/84. MATÉRIA APRECIADA PELA CORTE DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE QUE, EVENTUALMENTE, PUDESSE ENSEJAR A CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. (...) Nos termos do art. 59 da Lei n.º 7.210/1984: '[p]raticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento para sua apuração, conforme regulamento, assegurado o direito de defesa.' (...) Ordem de Habeas corpus não conhecida.” (STJ, 5ª Turma – HC 216506/SP – rel. Min. Laurita Vaz – j. 3/9/2013 – DJe 11/09/2013)

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. DEFESA FEITA POR ASSESSORIA JURÍDICA DO ÓRGÃO. POSSIBILIDADE. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (...) O art. 118, § 2º, da Lei de Execução Penal, não impõe a obrigatoriedade de instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar para o reconhecimento da referida infração, mas exige a realização de audiência de justificação que possibilite a oitiva prévia do sentenciado, garantindo-se, desse modo, o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ, 5ª Turma – AgRg no REsp 1346921/RS – rel. Min. Campos Marques (convocado) – j. 4/6/2013 – DJe 7/6/2013)

     Resta evidente, portanto, que é vedado ao diretor da casa penal promover classificações prejudiciais ao apenado sem lhe oportunizar o direito de defesa, o que por si só encerra esta questão, dando-se razão ao Ministério Público e ao agravante.
     Contudo, ainda se pode dizer mais. Embora o exame criminológico tenha deixado de ser uma exigência legal, como forma de mitigar os efeitos nocivos da péssima inovação legislativa, o judiciário firmou interpretação de que esse instrumento continua válido, sendo facultativa a sua determinação, e recomendável nos casos em que o juiz da execução pretenda tomar uma deliberação com maior conhecimento de causa.

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. EXAME CRIMINOLÓGICO. POSSIBILIDADE. SÚMULA VINCULANTE 26. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. REQUISITO SUBJETIVO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO NESTE WRIT. VEDAÇÃO. JURISPRUDÊNCIA DO STF. ORDEM DENEGADA. I – Prevalece nesta Corte o entendimento no sentido de que a alteração do artigo 112 da LEP pela Lei 10.792/2003 não proibiu a realização do exame criminológico, quando necessário para a avaliação do sentenciado, tampouco proibiu a sua utilização para a formação do convencimento do magistrado sobre o direito de promoção para regime mais brando. (...) No caso dos autos, o acórdão proferido do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo está em consonância com a jurisprudência desta Corte, pois ao concluir pela necessidade de realização do exame criminológico apresentou fundamentação idônea. (...) Ordem denegada.” (STF, HC 114409/SP – rel. Min. Ricardo Lewandowski – j. 19/3/2013 – processo eletrônico DJe-160  DIVULG 15-08-2013 PUBLIC 16-08-2013)

     Em um caso tão controverso como este, deveria o juiz da execução penal promover as medidas necessárias para analisar o caso do agravante, em vez de simplesmente se conformar com qualquer manifestação da casa penal, cuja ilegalidade foi ratificada e reiterada pelo próprio juízo.
     Por último, o magistrado prolator da decisão agravada atacou o defensor público como “colérico e singelo condutor de teses vencidas” (fl. 29), para ao final de sua decisão asseverar que “em matéria de execução, vigora o princípio doin dubio pro societate (na dúvida, deve-se interpretar em favor da sociedade” (fl. 32).
     Poucos argumentos são tão obsoletos, abusivos e inconstitucionais quanto o tal in dubio pro societate, em que pese a sua subsistência na jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal. Há, todavia, decisões em sentido contrário, como a que as Câmaras Criminais Reunidas deste tribunal proferiram, à unanimidade, em feito sob minha relatoria:

“EMBARGOS INFRINGENTES EM RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONTRA PRONÚNCIA DO RÉU. IN DUBIO PRO SOCIETATE: VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CERCEAMENTO DA PLENITUDE DA DEFESA. MÉRITO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. PLAUSIBILIDADE DA IMPUTAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. I – O brocardo in dubio pro societate não se coaduna com a vigente ordem constitucional brasileira pois, se persistem dúvidas quanto ao envolvimento do réu no crime, é porque o Ministério Público não foi capaz de comprovar a plausibilidade da imputação, não se podendo resolver essa falência funcional em prejuízo do acusado. (...) Embargos improvidos. Decisão unânime.” (TJ/PA, Câmaras Criminais Reunidas – Embargos Infringentes em Recurso em Sentido Estrito n. 2004.3.001482-2 – rel. Des. João José da Silva Maroja – Acórdão n. 61.503 – j. 24.4.2006 – DJ 5.5.2006)

     Sob toda a fundamentação supra, e acolhendo as sucessivas manifestações do Ministério Público, conheço do agravo e, no mérito, dou-lhe provimento para, reformando a decisão agravada, determinar ao juízo a quo que promova a progressão do agravante para o regime semiaberto, salvo se o mesmo tiver sofrido, no prazo legal, penalidade pela prática de falta grave, devidamente apurada sob a forma de procedimento disciplinar ou justificação, em relação a fatos diversos daqueles que levaram à emissão do atestado de conduta carcerária de fl. 10.
     Devido ao provimento do agravo, impende analisar, ainda, os pedidos consectários.
     Foi pedida saída temporária para o natal de 2012, pretensão obviamente inviabilizada, pela perda de seu objeto. Pedido semelhante, que somente é cabível no regime semiaberto, em relação às festividades deste ano, deve ser apresentado diretamente ao juízo da execução. Este tribunal dele não pode conhecer, sob pena de supressão de instância.
     Acerca do atestado de pena a cumprir, é direito inquestionável do apenado e não foi recusado expressamente pelo juízo a quo. Retornados estes autos ao juízo de origem, deve ser atendido o pleito.
     Sobre a promoção de efetivas ações de reinserção social do apenado, cuida-se de pretensão legítima, respaldada pela constituição e legislação específica, mas que deve ser objeto de conhecimento original pelo juízo da execução penal, tanto para evitar a supressão de instância, quanto porque é ele que conhece a realidade penitenciária da região onde se encontra o agravante, para deliberar sobre o que é possível fazer.
     Por último, sobre a pretensão de recolhimento domiciliar em caso de inexistência de vaga no regime semiaberto, também se trata de matéria a ser conhecida originalmente pelo juízo da execução penal.
     É como voto.
     Belém, 5 de dezembro de 2013.

Des. João José da Silva Maroja
Relator


“A administrativização do direito penal deve ser tratada como uma patologia que desnaturaliza as características essenciais do direito penal, implicando, portanto, uma utilização ilegítima da pena e das normas que estipulam como consequência jurídica uma pena”. SANCHEZ, Bernardo Feijoo. “Sobre a administrativização do direito penal na sociedade do risco. Notas sobre a política criminal no início do século XXI”. In: Revista Liberdades, n. 7, maio-agosto 2011, São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, pp. 23-62.
Disponível em http://ww3.lfg.com.br/artigos/Parecer_Movimento_Antiterror_Execucao_Penal160306.pdf [acesso em 28.11.2013].
AP às 12:30

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