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Projeto de Lei 3888/12 e os institutos despenalizadores da Lei Maria da Penha

Posted by Chrystiano Angelo On segunda-feira, 6 de maio de 2013 0 comentários

As razões estampadas no Projeto de Lei são pertinentes, pois a aprovação do texto projetado (reforma do CPP) poderia esvaziar o espírito da aplicação da Lei Maria da Penha.


Em trâmite no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 3888/2012, oriundo da Câmara dos Deputados, de autoria da Deputada Sandra Rosado (PSB-RN), tem por objetivo a alteração do artigo 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), com o fim de excluir a menção à Lei 9.099/95 (Juizados Especiais), e em seu lugar fazer constar, de forma expressa, os institutos despenalizadores proibidos aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher.
O atual e vigente artigo 41 da Lei 11.340/2006 possui a seguinte redação:
Art. 41.  Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
A este artigo pretende-se retirar a citação à Lei 9.099/95, e explicitar os institutos despenalizadores vedados pela Lei Maria da Penha, nos seguintes moldes:
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplicam os institutos despenalizadores do Juizado Especial Criminal, tais como termo circunstanciado substitutivo do auto de prisão em flagrante e dispensa de fiança, composição civil dos danos extintiva da punibilidade, transação penal, suspensão condicional do processo e representação nos crimes de lesão corporal leve.
A razão de ser da referida proposta legislativa reside no projeto do novo Código de Processo Penal, que tramita na Câmara dos Deputados (PL 8045/10), e que, dentre outras modificações, revoga integralmente os artigos que cuidam dos Juizados Especiais Criminais.
É exatamente neste aspecto que se encontra um problema constatado pela comissão especial que analisa o projeto do CPP: se o art. 41 da Lei 11.340/06 – na redação atual – menciona a inaplicabilidade da Lei 9099/95, e esta, de sua parte, deixar de existir como um diploma autônomo (no que tange aos Jecrim’s), o dispositivo citado perderá seu objeto por completo.
Além do mais, o texto do novo CPP ao encampar a Lei 9099/95 traz dois problemas diretamente ligados à Lei Maria da Penha: primeiro, as benesses da Lei 9.099/95 – reproduzidas no futuro diploma processual – não ressalvam a sua inaplicabilidade em relação às infrações penais objeto da Lei Maria da Penha (salvo a suspensão condicional do processo[1]); segundo, o art. 312 do pretenso CPP excepciona apenas a aplicação do procedimento sumaríssimo, e não dos seus institutos benéficos, o que também poderia dar margem à interpretação de que seria possível a utilização deles para os autores de agressões.
Acrescente-se, ainda, que o PL 3888/12 não se preocupa apenas com os benefícios penais e processuais, mas também, com a necessidade de se reforçar a incondicionalidade da ação penal no caso de lesão corporal leve – não obstante o efeito vinculante da ADI 4424[2] – bem como da impossibilidade de fiança e do termo circunstanciado substitutivo do auto de prisão em flagrante.
Posicionamento da autora:
As razões estampadas no PL 3008/12 são pertinentes, pois a aprovação do texto projetado (reforma do CPP) poderia esvaziar o espírito da aplicação da Lei Maria da Penha, já que possibilitaria, em tese, o uso de institutos despenalizadores nos crimes de violência contra a mulher.
Não obstante toda a perspectiva criminal prevista na Lei Maria da Penha, consubstanciada, principalmente, na vedação peremptória de aplicação de diversos institutos benéficos ao réu (composição civil, transação penal, representação para os crimes de lesão corporal leve e suspensão condicional do processo, etc.), ela não possui natureza punitivista. Sua linha de condução foi político-criminal, baseada, inicialmente, em recomendações de caráter internacional (tratados e convenções) e, posteriormente, em análises criminológicas acerca do real efeito da aplicação da Lei 9.099/95 no trato da questão.
Aliás, a Lei Maria da Penha, ao criar os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (e canalizando para eles todas as questões que envolvem esse tipo de violência) deu um tratamento totalmente diferenciado ao conflito, uma vez que dotou tais órgãos judiciais de todo um aparato preventivo e assistencial à vítima e ao agressor (como também aos familiares e às testemunhas). Por conta disso, a atuação dos Juizados difere em muito daquela tradicionalmente legada à justiça criminal (inclusive aos Jecrim’s), não se limitando à apreciação das responsabilidades criminais e à distribuição de castigos.
Uma última advertência: a aplicação da Lei Maria da Penha pressupõe que a vítima tenha sofrido violência baseada no gênero e que esteja em situação de violência. Portanto, trata-se de uma circunstância muito especial e que merece, em razão da sua peculiaridade, um tratamento também especial, já que estamos lidando com uma lei de ação afirmativa.[3]
Alice Bianchini, Doutora em Direito Penal (PUC-SP). Mestre em Direito (UFSC). Coeditora do Portal www.atualidadesdodireito.com.br. Coordenadora do Curso de Especialização em Ciências penais da Anhanguera-Uniderp/LFG. Presidenta do IPAN – Instituto Panamericano de Política Criminal. Possui diversos livros e artigos publicados no Brasil e no exterior. 
Pesquisadora: Maria Cecília G. Alfieri, Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito (EPD). Ex-Delegada de Polícia da 1ª DDM de SP.
Referências

[1] Embora o PL 8045/10 excepcione a aplicação da suspensão condicional do processo aos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 266, §8º), o PL 7987/10 – apensado ao primeiro – nada dispõe sobre a referida exceção.
[2] Sobre o tema, consultar: BIANCHINI, Alice.   Constitucionalidade da Lei Maria da Penha: STF, ADC 19 e ADI 4.424. Disponível em:http://atualidadesdodireito.com.br/alicebianchini/2013/02/25/constitucionalidade-da-lei-maria-da-penha-stf-adc-19-e-adi-4-424/

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