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No meio do caminho tinha um livro

Posted by Chrystiano Angelo On segunda-feira, 13 de maio de 2013 0 comentários

No meio do caminho tinha um livro, por João Marcos Buch* Audiência na qual o réu, jovem de 20 anos, é julgado por roubo de celular, contra dois adolescentes que iam embora após o colégio. O réu confessa, diz estar arrependido e quer fazer tratamento para dependência de crack, pois quando dos assaltos tinha usado todo o dinheiro de seu serviço de servente com droga. Terminada a audiência, termos assinados... – Posso ficar com uma cópia deste termo? – pergunta o réu. – Mas por quê? – questiona o juiz. – É apenas um termo de deliberação. – O juiz prepara-se para voltar ao gabinete. – É porque já li tudo que minha família me mandou lá na cadeia e pelo menos é algo mais para eu ler. – A linguagem do preso era em perfeito português. O juiz faz meia-volta, resolve ir adiante na conversa. – Qual o último livro que você leu? – “Comédias da Vida Privada”, do Luis Fernando Verissimo – responde o réu de pronto. – Gostou? – insiste o juiz. – Muito, é muito engraçado – rdealmente o réu era um bom leitor, concluiu o juiz. – Espere um pouco, vou ver se tenho algum livro para te emprestar. No gabinete, vasculha as prateleiras, acha o “Xangô de Baker Street”, do Jô Soares, lido tempos atrás e perdido entre seus livros jurídicos. Volta à sala de audiências. – Serve este? – Poxa, doutor, do Jô Soares. Claro que sim. Muito obrigado. Não vejo a hora de chegar no presídio para começar a ler. O caso acima, verídico, serve para ilustrar a importância de, ao lado do trabalho, possibilitar-se a leitura de obras literárias a pessoas que estão presas. Qualquer um, ao ler um livro reflete, identifica-se ou não com o tema e os personagens, questiona, pensa. Pela leitura, a pessoa desenvolve a empatia e, consequentemente, compreende melhor a sua própria vida. E se isso contribui para a educação, então, é claro que o hábito da leitura é mais uma forma de resgate ético, de contribuição para a harmônica integração social do detento no dia em que retornar à liberdade. Wittgenstein, filósofo do século 20, dizia que o universo de um homem é medido pelo tamanho de seu vocabulário. No caso acima descrito, o jovem preso tinha consciência de que havia prejudicado outros adolescentes, sabia que teria que pagar por isso e compreendia como tinha chegado até aquele ponto na vida, apontando inclusive um caminho para tentar sair da vida marginal. Essa compreensão ele conseguiu com a leitura, estou certo. Por isso, a partir de 1º de maio, os reeducandos do complexo prisional de Joinville passarão a ter a possibilidade de ler, num prazo de 20 dias, uma obra da literatura clássica, com mais dez dias para apresentar um resumo do livro. Assim poderão abater quatro dias de pena. É o que consta da portaria nº 8/2013 da Vara de Execuções Penais da Comarca de Joinville. – Tenha uma boa leitura rapaz – disse o juiz, despedindo-se do réu. – Terei, sim. Depois de ler, vou passar para a frente. Posso? – Um livro é para ser lido. Mande adiante. E lá foi o réu, de volta para o presídio, escoltado, livre. *Juiz de direito da Vara de Execuções Penais e corregedor do sistema prisional da Comarca de Joinville e membro da Associação Juízes para a Democracia

Fonte: http://rafael-direitopenalehumanismo.blogspot.com.br/

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