De conformidade com notícia veiculada no Portal
do STF em 17 de janeiro, a “busca por informações sobre processos de
constitucionalidade da Lei 11.340/2006, que coíbe a violência doméstica e
familiar, superou procura por notícias sobre tráfico de drogas e ficha
limpa”.[1]
A matéria mais acessada do site em 2012 foi a que
tratou do julgamento, em 9 de fevereiro, da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4424, envolvendo a Lei Maria da Penha (Lei
11.340/2006), com 86.854 acessos.[2]
Em
face da importância e do interesse geral no tema, é importante trazer algumas
considerações sobre o julgado, o qual girou em torno de três importantes
questões:
1. Ação penal nos
crimes de lesão corporal leve nas situações previstas na LMP é incondicionada
Na ADI 4.424, a PGR instava o STF a pacificar o
entendimento relativo à necessidade de representação da ofendida nos crimes
de lesão corporal leve praticados em situação de violência doméstica. Para a
PGR, a análise das normas impugnadas possibilitava duas interpretações
distintas a respeito da natureza da ação penal relativa aos crimes de lesão
corporal leve praticados contra a mulher no ambiente doméstico e familiar:
pública condicionada à representação e pública incondicionada (posição
defendida pela PGR). Isso porque, a prevalecer o entendimento de que o art.
41 da LMP afasta completamente a aplicação dos Juizados Especiais
Criminais (Lei 9.099/95) e, via de consequência, faz desaparecer a
necessidade de representação para os crimes de lesão corporal leve (cuja
exigência encontra-se insculpida no seu art. 89), a Lei Maria da Penha não
deveria fazer qualquer menção ao instituto da representação (que é o que
ocorre nos dois outros dispositivos impugnados: art. 12, I e 16).
Daí, a confusão.
Para o STF, tal contradição é apenas aparente,
pois os arts. 12, I e 16 da
LMP, que fazem referência ao termo “representação”, continuam válidos para
todos os crimes que a exigem (ex.: ameaça – art. 147, CP). Assim, há crimes
cuja ação penal ainda depende de representação, e, para estes, são válidos os
artigos da LMP antes mencionados (autoridade policial deve tomar a
representação da ofendida quando do registro da ocorrência – art. 12,
I; retratação da representação somente será aceita perante o juiz, em
audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da
denúncia e ouvido o Ministério Público – art. 16).
Cuidado especial: a
decisão no sentido de que se trata de ação penal pública incondicionada nos
casos de lesão corporal leve aplica-se apenas aos crimes que
envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher (nos termos dos arts.
5º e7º), permanecendo a exigência de representação, portanto,
para todas as demais situações.
2. É constitucional o art.
33 da LMP
Em relação ao art. 33 (que
permite que varas criminais acumulem as competências cível e criminal para
conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e
familiar contra a mulher, enquanto não estiverem estruturados os Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher) e à atribuição
constitucionalmente conferida aos estados para fixar a respectiva organização
judiciária – arts. 125, § 1, e 96, II, “d”, da CF, o STF entendeu, na ADC 19,
que não há nenhuma inconstitucionalidade.
3. É constitucional o art.
41 da LMP
De acordo com o STF, o afastamento, pelo art.
41 da LMP, da competência dos Juizados Especiais Criminais, mesmo em
relação aos crimes de menor potencial ofensivo, nos casos que envolvam
violência doméstica e familiar contra a mulher, é constitucional, pois, não
obstante o comando constitucional (art. 98, I[3]), este
não é absoluto, podendo lei infraconstitucional tratar do tema de maneira
diversa, aliás, como se deu em relação à Justiça Militar (cujos crimes, mesmo
de menor potencial ofensivo, também estão fora da competência do JECRIM–
Art. 90-A[4]).
Repercussão:
a decisão do STF afastando a aplicação da Lei 9.099/95 alcança o instituto da
suspensão condicional do processo, também previsto no seu art. 89. Sobre tal
assunto, o STF já havia se pronunciado anteriormente (HC 106.212, julgado em
24.03.11), entendendo não ser aplicável tal instituto despenalizador aos
crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher. O mesmo se
dá em relação à transação penal e à composição civil dos danos.
Dentre
tantas importantes contribuições que os ministros de nossa Corte Suprema
trouxeram ao tema violência doméstica e familiar contra a mulher no
julgamento antes mencionado, destaco o seguinte:
“Quando há
violência do homem contra a mulher não se tem uma relação de afeto e, sim,
uma relação de poder.” Min. Cármen Lúcia (STF, ADC 19 e ADI 4.424)
* Alice Bianchini, Doutora em Direito
Penal (PUC-SP). Mestre em Direito (UFSC). Editora do Portal www.atualidadesdodireito.com.br.
Coordenadora do Curso de Especialização em Ciências Penais da
Anhanguera-Uniderp/LFG. Presidenta do IPAN – Instituto Panamericano de
Política Criminal. Possui diversos livros e artigos publicados no Brasil e no
exterior.
[1] Disponível
em: http://www.sepm.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2013/01/17-01-lei-maria-da-penha-e-assunto-mais-procurado-no-portal-do-supremo-tribunal-federal.
Acesso em 17.01.2013.
[2] Disponível
em: http://www.sepm.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2013/01/17-01-lei-maria-da-penha-e-assunto-mais-procurado-no-portal-do-supremo-tribunal-federal.
Acesso em 17.01.2013.
[3] CF,
art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e
os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados,
ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a
execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial
ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas
de juízes de primeiro grau.
[4] Lei
9.099/95, art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da
Justiça Militar (artigo incluído pela Lei n. 9.839, de 27.9.1999).
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Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/alicebianchini/2013/01/25/constitucionalidade-da-lei-maria-da-penha-stf-adc-19-e-adi-4-424/
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