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A leitura que liberta

Posted by Chrystiano Angelo On sábado, 15 de setembro de 2012 0 comentários

A leitura que liberta

O Departamento Penitenciário Nacional (DPN) editou, em 20 de junho passado, a Portaria Conjunta nº 276, que disciplina o projeto da remição pela leitura no Sistema Penitenciário Federal. De acordo com a normatização proposta, o interno que cumpre pena em penitenciárias federais poderá remir parte da pena pela leitura de obras literárias, clássicas, científicas ou filosóficas, dentre outras.
Consoante o art. 4º da portaria em questão, o preso terá o prazo de 21 a 30 dias para a leitura da obra literária, devendo apresentar ao final do período "uma resenha a respeito do assunto, o que lhe permitirá, segundo critério legal de avaliação, a remição de quatro dias de sua pena". Arremata que, "ao final de 12 obras lidas e avaliadas, terá a possibilidade de remir 48 dias, no prazo de 12 meses".
Para tanto, a portaria equipara a atividade proposta ao trabalho intelectual a que aduz o art. 126 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, a Lei de Execuções Penais. Embora louvável a iniciativa de estimular, entre internos, o hábito da leitura, a remição (redução da pena), nesse contexto, parece-nos equivocada.
A superlotação dos presídios tem levado as autoridades a buscar alternativas para que "a fila ande". A massa carcerária cresce em progressão geométrica. Portanto, os presos que já cumpriram uma parte, ainda que mínima, da sua expiação, devem ceder lugar aos novatos.
Não há preocupação em construir novas unidades e garantir a dignidade do interno; mais fácil é colocá-lo na rua. Assim devolvem-se ao convívio social pessoas que, definitivamente, não purgaram a sua dívida. E a sensação de impunidade é um convite à reiteração criminosa, além de estímulo aos mais jovens, que ainda ensaiam o seu envolvimento na senda do crime.
Na contramão da história, ao menos da brasileira, um estudo de professores da Universidade de Birmingham, realizado ao longo de 16 anos em 43 forças policiais da Inglaterra e do País de Gales, concluiu, em apertada síntese, que a certeza da punição é um fator inibidor de crimes, bem assim que o maior tempo do condenado recluso reduz a reiteração criminosa, seja porque o criminoso encarcerado não comete, ao menos de forma direta e pessoal, crimes fora da prisão, seja em razão do efeito pedagógico que isso gera em outros que cogitam cometer delitos.
Os anos de exceção geraram no brasileiro a necessidade de fazer valer os seus direitos e liberdades, o que se refletiu na Constituição de 1988, pródiga em conferi-los e assegurá-los, mas singela quanto aos deveres que lhes devem servir de contrapartida.
Nos estabelecimentos prisionais é comum o ingresso de drogas e telefones, por meio de visitantes e até de agentes que se corrompem. Vislumbra-se muito em breve o "contrabando" de resenhas. Doravante ouviremos o seguinte diálogo, objeto de interceptação telefônica judicialmente autorizada, travado entre um preso e o "traficante de resenhas":
— E aí, dá pra arrumar um Saramago?
— Consigo, mas o bagulho é "profissa", difícil de resumir a história, o cara não usa parágrafo.
— E um Machado de Assis?
— Depende, conto ou romance? Mas olha só, tem Paulo Coelho na promoção, leva cinco pelo preço de um e ainda ganha de brinde uma Raquel Pacheco.
Como o que prevalece é a interpretação mais benéfica ao preso, não é preciso muita perspicácia para antever, num futuro próximo, a analogia do livro com o filme. Claro, ambos instruem. Porque não Alcatraz — Fuga impossível? Nas circunstâncias, nada mais fictício. Ou, para ser mais moderno, Batman: O cavaleiro das trevas ressurge. Entrou em cartaz nos cinemas recentemente. Daria uma bela resenha, a despeito das quase três horas de duração. A impossibilidade de o interno se deslocar até a sala de exibição não é empecilho. Uma cópia dublada do blockbuster já pode ser encontrada, a preços módicos, nas melhores feiras do ramo.
De qualquer maneira, segue uma sugestão de leitura: Crime e castigo, de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), de preferência o original, em russo. Dispondo de 21 a 30 dias, há tempo de sobra para o interno aprender a nova língua, ler o livro e preparar a resenha.
Na Bíblia, Evangelho de São João, 8:32, disse Jesus Cristo: "E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". No art. 4º da Portaria nº 276/2012 do DPN, a máxima cristã evoluiu e tomou forma: "Internos da Justiça Federal, conhecereis a leitura e a Justiça vos libertará!"
Por NEWTON CEZAR VALCARENGHI TEIXEIRA, Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
Fonte: Jornal Correio Braziliense de 04/09/2012
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