O recém-iniciado
julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Penal nº 470, conhecida
nacionalmente como mensalão, está dando à população brasileira a oportunidade
de acompanhar ao vivo o funcionamento do mais importante órgão do Judiciário. É
uma vitória da democracia que questão tão crucial possa ser decidida com esse
grau de transparência. Mais do que a eventual condenação de figuras importantes
e sobejamente conhecidas, estão em discussão temas fundamentais para a
República, pois serão, espera-se, proclamados, em alto e bom som, os direitos e
os deveres daqueles que exercem funções públicas. É uma oportunidade para que
os padrões de comportamento sejam passados a limpo. Esperamos que o julgamento
defina de forma correta a linha de conduta dos cidadãos pelos anos vindouros.
Mas o mensalão é
apenas uma ação entre milhões que tramitam a cada dia pelos tribunais do país.
Ganhou notoriedade ímpar por sua conotação política e pelos nomes que compõem a
relação dos réus. Perguntar-se-ia, pois: esta é a questão mais importante em
julgamento no Poder Judiciário? A resposta é não, não e não. Para cada cidadão
brasileiro, a ação mais importante é aquela que lhe diga respeito. Uma nação é
constituída de pessoas, todas iguais em suas diferenças, tais como mães que
reclamam o pagamento de pensões alimentícias para os filhos, pequenas ou
grandes empresas que exigem o cumprimento de seus direitos, chefes de família
que não suportam ser mal atendidos em serviços para os quais pagaram
antecipadamente, donas de casa que não admitem que o sossego familiar seja
perturbado por um vizinho, e inúmeras outras situações do cotidiano.
A procura, de
forma civilizada, do reconhecimento dos direitos individuais encontra no Poder
Judiciário seu único caminho. A cada dia estamos mais conscientes de nossos
direitos e mais dispostos a lutar por eles. Assim, a procura pela atuação do
Judiciário não só é consequência natural do processo de desenvolvimento do
país, como tende a aumentar progressiva e geometricamente. É hora de todos os
que atuam profissionalmente nas áreas do direito unirem forças para solucionar
os ingentes problemas que a Justiça do país está enfrentando e enfrentará.
Não é admissível
que organismos criados para, em última análise, desenvolver e aprimorar as
práticas da Justiça se engalfinhem, interna ou externamente, por questões que
não representam o cerne da questão, qual seja, um sistema que, pura e
simplesmente, permita que os direitos legítimos sejam reconhecidos com a
rapidez que os tempos modernos exigem. Uma conhecida parábola — a Justiça
tarda, mas não falha — caiu em desuso. Nos dias de hoje a Justiça que tarda é
uma Justiça que falha!
As
responsabilidades têm que ser compartilhadas por todos, membros de tribunais de
Justiça estaduais e federais, representantes das elites pensantes dos diversos
setores da sociedade, academia, e, principalmente, aqueles que representam o
direito de terceiros, ou seja, advogados, integrantes de órgãos fiscalizadores
da aplicação da lei, bem como funcionários dos organismos judiciais. É hora de
todos trabalharem em harmonia. Vejo com grave preocupação os desentendimentos
que grassam internamente em cada setor. E, muito pior, os antagonismos
crescentes entre os diversos setores dos operadores do direito.
Advogado militante
há quase 50 anos, venho sentindo muita falta de atuação mais propositiva da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), instituição que teve papel preponderante
para o retorno do país à normalidade democrática. É, pois, hora de a OAB
reassumir seu papel de liderança institucional, como ocorreu quando, na
vigência do arbítrio do regime militar, a Ordem lutou pela restauração plena do
habeas corpus, pela supressão da censura à imprensa e pelo retorno da
intangibilidade das garantias constitucionais da magistratura, sem o que não se
estaria falando a sério no restabelecimento do Estado Democrático de Direito.
Que venham
propostas concretas para aprimoramento das práticas judiciais. Que essas
propostas sejam apresentadas aos responsáveis por sua implantação. Que sua
implantação seja cobrada dos responsáveis. Que ninguém se intimide de nominar
quem quer que, independentemente de seu cargo ou função, não esteja agindo
conforme os melhores princípios republicanos. O momento é de se ter coragem de
construir um futuro mais justo.
Autor(es): Sergio
Tostes
Correio Braziliense – 20/08/2012
Correio Braziliense – 20/08/2012
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