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O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL

Posted by Chrystiano Angelo On quinta-feira, 22 de março de 2012 0 comentários
O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL

I - INTRODUÇÃO
Desde o século passado, autores como Von Liszt advertem quanto à necessidade de eliminar as pequenas questões do setor do ilícito penal, e que o Direito Penal, desde aquela época, encontrava-se sobrecarregado (hipertrofia do Direito Penal).
Pouco foi ou tem sido feito no sentido de corrigir tal fato. Na verdade, o problema tem sido agravado `ora pelo reclamo da sociedade de intervenção estatal para suprir ausência de sua própria auto-organização e, outras vezes, pela intervenção pública em setor a um tempo reservado para a autonomia da vontade privada` (`Princípio da Insignificância no Direito Penal`, Maurício Antonio Ribeiro Lopes, Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 24), causando a chamada `inflação penal`.
O que se espera do Direito Penal é que ele exerça um controle razoável da criminalidade (`Introducción a la Criminologia y al Derecho Penal`, Valencia, Tirant lo Blanch, 1989, p. 38-40). Contudo, sua indevida utilização tem dificultado o atingimento do controle social.
Nesse contexto, o princípio da insignificância surge como uma válvula de resgate da legitimidade do Direito Penal (Maurício Antonio Ribeiro Lopes, op. cit., p. 13).
O termo `insignificância` carrega o significado, para o Direito Penal, de desprestígio a um objeto jurídico que, em princípio, seria amparado pelo Direito Positivo.
Possui dois aspectos básicos: 1. excluir do sistema o que já não possui mais relevância; 2. não permitir que algo de irrisória importância seja admitido no sistema.
Chega-se, então, à premissa de que a insignificância da lesão arrasa o juízo de tipicidade material que se projeta sobre o injusto e, portanto, não há crime.
Feita essa preliminar explanação, passa-se a buscar a definição de `princípio` e sua utilização no Direito, bem como a origem, fundamentos, finalidades e cabimento da `insignificância` como princípio, além de destacar as principais características do Direito Penal justificadoras de sua aceitação.
Após, analisaremos as principais críticas que lhe são feitas e como seus defensores as rebatem, finalizando o estudo através da análise de alguns julgados e da elaboração de tópicos conclusivos sobre o tema.
Enfim, o presente trabalho, longe de pretender abordar todos os aspectos do tema proposto, tem como finalidade proporcionar uma visão atual de como o princípio da insignificância tem sido aplicado e, principalmente, situá-lo como importante ferramenta do legislador e, principalmente, do Juiz, na busca pela Justiça.

Princípio é, na definição de Maurício A. R. Lopes (op. cit., p. 29), `mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele; disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere à tônica e lhe dá sentido harmônico`.
Celso Antonio Bandeira de Mello, em seu `Curso de Direito Administrativo` (Malheiros Editores Ltda., 5ª edição, 1994, p. 15), afirma que somente `há uma disciplina jurídica autônoma quando corresponde a um conjunto sistematizado de princípios e normas que lhe dão identidade, diferenciando-a das demais ramificações do Direito`.
Dessa forma, considerando o princípio como definidor de todo o sistema, conclui-se que é muito mais grave transgredir um princípio que uma norma, pois assim agindo ofende-se não apenas um mandamento obrigatório específico, mas o conjunto sistêmico todo.
Os princípios podem estar positivamente incorporados ao sistema, transformando-se em normas-princípio. Aliás, como ressalta Maurício A. R. Lopes, `O ponto central da grande transformação por que passam os princípios reside, em rigor, no caráter e no lugar de sua normatividade, depois que esta, inconcussamente proclamada e reconhecida pela doutrina mais moderna, salta dos Códigos, onde os princípios eram fontes de mero teor supletório, para as Constituições, quando em nossos dias se convertem em fundamento de toda a ordem jurídica, na qualidade de princípios constitucionais. ... O que define algo como princípio é precisamente sua capacidade de superar os limites de sua força interna para irradiar comandos operadores do funcionamento de estruturas alheias ao próprio ser. O princípio projeta sua relevância sobre a existência de outros seres, por isso seu caráter transcendental, superior e vinculante` (op. cit., p. 30-31).
Estabelecido o que se entende por `princípio`, passemos à análise dos princípios básicos do Direito Penal.

Como visto acima, toda legislação positiva pressupõe sempre certos princípios gerais do direito (Arthur Kaufmann, `Analogía y naturaleza de la cosa`, Ed. Jurídica de Chile, 1976, p. 48), através dos quais se possa caracterizar e delimitar uma determinada área que, no caso, é o Direito Penal.
Diomar Ackel Filho (`O Princípio da Insignificância no Direito Penal`, `in` Revista de Jurisprudência do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, v. 94, p. 72, 1988) afirma que `O Direito Penal, a exemplo do que ocorre com os demais ramos da ciência jurídica, é informado por determinados princípios básicos que lhe imprimem determinado caráter e direcionam o seu rumo. Assim, as suas normas se inspiram e orientam nesses princípios, aos quais se ligam como o corpo se liga ao espírito`.
Não há um consenso doutrinário sobre quais são, taxativamente, os princípios do Direito Penal.
`Para Nilo Batista (`Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro`, Ed. Revan, 1990) são cinco os princípios básicos do Direito Penal: legalidade (ou reserva legal, ou intervenção legalizada); intervenção mínima, lesividade; humanidade e culpabilidade.
Para Luiz Luisi (`Os Princípios Constitucionais Penais`, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991) apresentam-se com esse poder os princípios da legalidade dos delitos e das penas, da intervenção mínima, da humanidade e os da pessoalidade e da individualização da pena.
René Ariel Dotti (`As Bases Constitucionais do Direito Penal Democrático`, `in` Reforma Penal, Ed. Forense, 1988, p. 330-358) em elenco mais volumoso, correlacionado os princípios às bases constitucionais do Direito Penal, destaca os seguintes: intervenção mínima; intervenção legalizada; legalidade dos ilícitos e das sanções; irretroatividade da lei mais grave e retroatividade da lei mais benigna; personalidade e individualização das sanções; responsabilidade em função da culpa; retribuição proporcionada; reações penais como processo de diálogo (finalidade da pena) e humanidade das sanções.
Márcia Dometila Lima de Carvalho (`Fundamentação Constitucional do Direito Penal`, Ed. Fabris, 1992) vislumbra com maior relevância, conquanto se refira a outros incidentalmente, aos princípios da legalidade e da culpabilidade` (Maurício A. R. Lopes, op. cit., p. 31-32).
Julio Fabbrini Mirabete (`Manual de Direito Penal`, Vol. 1, Ed. Atlas, 7ª edição, 1993, p. 56-57), citando ensinamento de Francisco de Assis Toledo, afirma que `o princípio da legalidade é obtido no quadro da denominada função de garantia penal, que provoca o seu desdobramento em quatro princípios: a) nullum crimen, nulla poena sine lege praevia (proibição da edição de leis retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade); b) nullum crimen, nulla poena sine lege scripta (proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário); c) nullum crimen, nulla poena sine lege stricta (proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pela analogia); d) nullum crimen, nulla poena sine lege certa (a proibição de leis penais indeterminadas)`.
Mais à frente, o mesmo autor ensina que há ainda outros princípios do Direito Penal, todos expressos no artigo 5º da Constituição Federal (op. cit., p. 57-58).
Percebe-se, assim, que não é comum na doutrina nacional referir-se à `insignificância` como verdadeiro princípio. A ele referem-se Carlos Vico Mañas (`O Princípio da Insignificância como Excludente da Tipicidade no Direito Penal`, Ed. Saraiva, 1994), Diomar Ackel Filho (op. cit.), Odone Sanguiné (`Observações sobre o Princípio da Insignificância`, `in` `Fascículos de Ciências Penais`, Ed. Fabris, v. 3, p. 36-59, 1990) e Maurício A. R. Lopes que, à página 32 da já citada obra, afirma reconhecer `pertinentes ao Estado de Direito material os seguintes princípios do Direito Penal, quanto ao preceito primário: legalidade, intervenção mínima, insignificância, taxatividade, lesividade, culpabilidade e humanidade. Quanto ao preceito secundário, enumeramos os princípios da proporcionalidade, individualização e finalidade da pena`.

O Direito Penal tem por finalidade a proteção de bens jurídicos. Entende-se por bens jurídicos, segundo Francisco de Assis Toledo, os `valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas` (`Princípios Básicos de Direito Penal`, 5ª ed., Ed. Saraiva, 1994, p. 16).
A proteção dada pelo Direito Penal, porém, é eminentemente subsidiária, pois tutela, ou deveria tutelar, apenas as situações em que a proteção oferecida por outros ramos do Direito não seja suficiente para inibir sua violação, ou em que a exposição a perigo do bem jurídico tutelado apresente certa gravidade. Nesse sentido posiciona-se Julio Fabbrini Mirabete: `Muitas vezes, porém, essas sanções civis se mostram insuficientes para coibir a prática de ilícitos jurídicos graves, que atingem não apenas interesses individuais, mas também bens jurídicos relevantes, em condutas profundamente lesivas à vida social. Arma-se o Estado, então, contra os respectivos autores desses fatos, cominando e aplicando sanções severas por meio de um conjunto de normas jurídicas que constituem o Direito Penal. Justificam-se as disposições penais quando meios menos incisivos, como os de Direito Civil ou Direito Público, não bastam ao interesse de eficiente proteção aos bens jurídicos (Cf. WESSELS, Johannes. `Direito Penal; parte geral`. Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1976. p. 4)` (ob. cit., p. 22).
Heleno Cláudio Fragoso complementa: `as lesões de bens jurídicos só podem ser submetidas a pena quando isso seja indispensável para a ordenada vida em comum. Uma nova política criminal requer o exame rigoroso dos casos em que convém impor pena (criminalização), e dos casos em que convém excluir, em princípio, a sanção penal (descriminalização), suprimindo a infração, ou modificar ou atenuar a sanção existente (despenalização). Desde logo deve excluir-se do sistema penal a chamada criminalidade de bagatela e os fatos puníveis que se situam puramente na ordem moral. A intervenção punitiva só se legitima para assegurar a ordem externa. A incriminação só se justifica quando está em causa um bem ou valor socialmente importante` (`Lições de Direito Penal`, Parte Geral, Ed. Forense, 5ª Edição, 1983, p. 3).
O Direito Penal é, também, fragmentário, porque, obviamente, não esgota as infinitas possibilidades do ilícito - `... dentre a multidão de fatos ilícitos possíveis, somente alguns - os mais graves - são selecionados para serem alcançados pelas malhas do ordenamento penal` (Francisco de Assis Toledo, op. cit., p. 14-15), de forma que somente alguns tornam-se fatos típicos.
Como ensina Nilo Batista, `Quem registrou pela primeira vez o caráter fragmentário do direito penal foi Binding, em seu Tratado de Direito Penal Alemão Comum - Parte Especial (1896), e desde então esse tema sempre se faz presente na introdução ao estudo da parte especial do código penal (que costuma ser chamada de `parte geral da parte especial`). Mas enquanto Binding se preocupava com a superação do caráter fragmentário das leis penais, das lacunas daí decorrentes e seus efeitos na proteção dos bens jurídicos, implicando a questão da analogia, modernamente se reconhecem as virtudes políticas da fragmentariedade, cabendo a exata observação de Mir Puig, sobre a influência, nessa mudança, da passagem de concepções penais absolutas, como a de Binding, para concepções penais relativas. De fato, se o fim da pena é fazer justiça, toda e qualquer ofensa ao bem jurídico deve ser castigada; se o fim da pena é evitar o crime, cabe indagar da necessidade, da eficiência e da oportunidade de cominá-la para tal ou qual ofensa. Constitui-se assim o direito penal como um sistema descontínuo de ilicitudes, bastando folhear a parte especial do Código Penal para percebê-lo. Supor que a legislação e a interpretação tenham como objetivo preencher suas lacunas e garantir-lhe uma totalidade é, como frisa Navarrete, falso em seus fundamentos e incorreto enquanto método interpretativo, seja do ângulo político-criminal, seja do ângulo científico. Como ensina Bricola, a fragmentariedade se opõe a uma visão onicompreensiva da tutela penal, e impõe uma seleção seja dos bens jurídicos ofendidos a proteger-se, seja das formas de ofensa` (`Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro`, Ed. Revan, 4ª Edição, 1999, p.86).
Enfim, além de o Direito Penal dever ser `a ratio extrema, um remédio último, cuja presença só se legitima quando os demais ramos do Direito se revelaram incapazes de dar a devida tutela a bens relevantes para a própria existência do homem e da sociedade` (Maurício A. R. Lopes, op. cit., p. 64), a norma penal somente atinge certos bens jurídicos, e contra determinadas formas de agressão, e não todos os bens jurídicos contra todas as infinitas formas de agressão.

`No tocante à origem, não se pode negar que o princípio já vigorava no Direito Romano, onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida no brocardo minimis non curat pretor` (Diomar Ackel Filho, op. cit., p. 72. No mesmo sentido, Carlo Enrico Paliero, no artigo Note sulla disciplina dei reati bagatellari, publicado na Revista Italiana de Diritto e procedura Penale, Cedam, 1989, p. 920-991).
Discorda desta opinião Maurício A. R. Lopes, entendendo que `O Direito romano foi notadamente desenvolvido sob a ótica do Direito Privado e não do Direito Público. Existe naquele brocardo menos do que um princípio, um mero aforismo. ... a máxima minimis non curat pretor ... serve como referência, mas não como via de reconhecimento do princípio` (op. cit., p. 38).
Para este autor, o princípio da insignificância (ou, como preferem os alemães, Bagatelledelikte - `criminalidade de bagatela`) surgiu ungido pelo caráter da patrimonialidade na Europa, mais precisamente após a Primeira Guerra Mundial e, em maior escala, após o final da Segunda. Nessa ocasião, verificou-se um grande aumento de delitos patrimoniais, em especial as subtrações de pequena relevância, vindo daí a primeira nomenclatura doutrinária de `criminalidade de bagatela` (Teresa Armenta Deu, `Criminalidad de bagatela y princípio de oportunidade`, PPU, 1991, p. 23).
Seguindo, ainda, o raciocínio de Maurício A. R. Lopes, pelo qual `o princípio da legalidade é o tronco-mãe de onde brotam vários ramos (princípios decorrentes) - com maior ou menor grau de dependência das forças hauridas pela seiva do tronco-mãe` (op. cit., p. 40), temos ser impossível estudar a evolução histórica do princípio da insignificância dissociada do princípio da legalidade, do qual, como visto rapidamente no tópico anterior, chegou-se ao sentido de nullum crimen nulla poena sine: 1. lege praevia (garantindo os princípios da anterioridade e irretroatividade da lei penal incriminadora e, mais adiante, o da retroatividade da lei penal benéfica); 2. lege scripta (baniu-se a possibilidade de eleição consuetudinária de comportamentos penais típicos); 3. lege stricta (proíbe emprego da analogia para criar figuras delituosas ou justificar, fundamentar ou agravar penas); 4. lege certa (proibição de incriminações vagas e indeterminadas); 5. `E ao longo da história, permeado de idas e voltas, foi sendo justificada a concepção do nullum crimen nulla poena sine iuria, ou seja, sem dano, sem causação de um mal que represente a gravidade esperada para incidência da pena criminal` (Maurício A. R. Lopes, op. cit., p. 41).
Porém, `A lei colhe abstratamente as situações hipotéticas reputadas mais graves no plano geral da ilicitude dentro do Estado e a elas comina, também abstratamente, a mais grave sanção de que dispõe o Estado dentro de seu arsenal repressor da ilicitude --a pena criminal; ... Depois desse processo abstrato de seleção das condutas e cominação das penas surge o momento de efetivação do sistema diante da prática de um crime ... Pois bem, nesse instante pode surgir ao aplicador da lei penal - o Juiz - o dilema ante a constatação de que a pena criminal ... ainda que aplicada no menor grau possível, torne-se, em face da situação concreta, mais grave do que estaria a exigir o grau de reprovabilidade ordinária da ação ... O que restará ao Juiz diante desse quadro? Aplicar friamente a lei, abstraindo a finalidade social e ética do Direito, cumprindo a lei mas desrespeitando a justiça; ou, ao contrário, reconhecendo a impropriedade da sanção penal para adequação social da dinâmica - e não da estática - dos fatos, concluir pela improcedência dos remédios do Direito Penal, excluindo o caráter criminoso do fato` (Maurício A. R. Lopes, op. cit., p. 51-52).
Pois bem, nesse sentido pode-se dizer, então, que `O princípio da insignificância se ajusta à eqüidade e correta interpretação do Direito. Por aquela, acolhe-se um sentimento de justiça, inspirado nos valores vigentes em uma sociedade, liberando-se o agente, cuja ação, por sua inexpressividade, não chega a atentar contra os valores tutelados pelo Direito Penal. Por esta, se exige uma hermenêutica mais condizente do direito, que se não pode ater a critérios inflexíveis de exegese, sob pena de se desvirtuar o sentido da própria norma e conduzir a graves injustiças ... Se o Juiz aplica (o Direito) de forma matemática, como um formalismo intransigente, fazendo justiça mesmo que pereça o mundo, distancia-se destarte da realidade humana. O silogismo, em hipótese alguma, pode ser rígido. É necessário um perfeito equilíbrio na sua atuação e na utilização nas sentenças judiciárias. ... A interpretação com base em critérios de razoabilidade, desconsidera um determinado fato como obra criminosa, valorando-o como insignificante e, portanto, destituído de reprovabilidade, de modo a obstar que possa se subsumir num `standart` de tipicidade da lei penal` (Diomar Ackel Filho, op. cit., p. 73-74).
Ainda de acordo com Diomar Ackel Filho, o primeiro autor a detectar o princípio da insignificância `foi Klaus Roxin, segundo quem o princípio permite en la mayoria de los tipos excluir desde um princípio danos de poca importância: maltrato no es cualquier tipo de dano de la integridad corporal, sino solamente uno relevante: analogamente deshonesto en el sentido del Código Penal es sólo la acción sexual de cierta importância, injuriosa es sólo la lesion grave a la pretensión social de respeto. Como fuerza debe considerarse unicamente un obstáculo de cierta importância, igualmente también la amenaza debe ser sensible para pasar ele umbral de la criminalidad. ASSIS TOLEDO, o primeiro doutrinador a referir, entre nós, o alcance do princípio, ensina que o Direito Penal, por sua natureza fragmentária só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve preocupar-se com bagatelas` (op. cit., p. 72).
Percebe-se que os ensinamentos citados como pioneiros já concebiam o `princípio da insignificância` como aplicável a todo Direito Penal, e não apenas aos crimes patrimoniais. Obviamente, porém, não há como negar, como visto acima, sua historicidade econômica, de onde, aliás, surgem as dificuldades `naturalmente decorrentes para qualquer corrente liberalizante frutificar em meio ao apego às concepções tradicionalistas` (Maurício A. R. Lopes, op. cit., p. 39).

Como já visto acima, `ao longo da história, permeado de idas e voltas, foi sendo justificada a concepção do nullum crimen nulla poena sine iuria, ou seja, sem dano, sem causação de um mal que represente a gravidade esperada para incidência da pena criminal` (Maurício A. R. Lopes, op. cit., p. 41). Assim, importante para o entendimento do que é `crime de bagatela` é o esclarecimento do conceito material de ilicitude.
Sob o ponto de vista material, o conceito de ilicitude `... não se esgota na relação existente entre a ação e a norma, ... leva igualmente em consideração a lesão ao bem jurídico protegido pela norma respectiva` (Jescheck, Hans-Heinrich, Lehrbuch des Strafrechts. 2. Aufl. Berlin, Duncker & Humblot, 1972, p. 176, citado por Francisco de Assis Toledo, op. cit., p. 161-162).
Assim, Diomar Ackel Filho define os delitos de bagatela como sendo `os que pertinem a ações aparentemente típicas, mas de tal modo inexpressivas e insignificantes, que não merecem a reprovabilidade penal` (op. cit., p. 76).
Krümpelman, estudioso alemão que muito se dedicou ao estudo dos delitos de bagatela (`Bagatelledelikte`), `distingue o crime de bagatela próprio (ou independente) do impróprio (ou dependente), salientando que o primeiro é, por natureza, de escassa lesão social (mesmo quando se consuma), enquanto o segundo o é porque não chegou a produzir o dano social que poderia ter produzido` (Luiz Flavio Gomes, `Tendências Político-Criminais quanto à Criminalidade de Bagatela`, `in` `Revista Brasileira de Ciências Criminais`, número especial de lançamento, Ed. Revista dos Tribunais, 1992, p. 91).
`Em assim sendo, ... questões como o dano do art. 163 do CP não deve ser qualquer lesão à coisa alheia, mas sim aquela que possa representar prejuízo de alguma significação para o proprietário da coisa; o descaminho do art. 334, §1º, d, não será certamente a posse de pequena quantidade de produto estrangeiro de valor reduzido, mas sim a de mercadoria cuja quantidade ou valor indique lesão tributária, de certa expressão para o Fisco; o peculato do art. 312 não pode estar dirigido para ninharias; a injúria, a difamação e a calúnia dos arts. 140, 139 e 138 devem igualmente restringir-se a fatos que realmente possam afetar a dignidade, a reputação, a honra e exclui ofensas tartamudeadas sem conseqüências palpáveis ... Sob prisma médico-legal, ofensa à integridade física corporal se verifica pelo dano anatômico: escoriação, equimose, cicatriz, feridas em geral, etc. Existirá lesão corporal, ainda que ao dano anatômico não corresponda nenhum dano funcional. Todavia, um levíssimo arranhão, ainda que ontologicamente constitua lesão no sentido médico-legal, é irrelevante para o Direito Penal, que se preocupa apenas com a ofensa efetiva e idônea à integridade corporal ou à saúde. Não é razoável e repugna até o bom senso que se louvando numa interpretação inflexível, pretenda-se, em casos de bagatela, proclamar-se a existência de um fato típico, diante da insignificância da lesão. Falta a reprovabilidade do fato, que não tem valor penalmente relevante, devendo ser ressaltado que a conduta típica nunca é isenta de valor, mesmo quando ocorre causa de licitude. Afinal, não se pode supor, como mostra WELZEL, que a morte dada a alguém em legítima defesa valha o mesmo que a ação de matar um mosquito` (Diomar Ackel Filho, op. cit., p. 72-74).
Especificamente quanto a delitos contra o patrimônio, entende Maurício A. R. Lopes que `um ataque à propriedade alheia representa uma lesão de índole penal unicamente quando impeça a um sujeito de modo permanente dar ao objeto atacado a finalidade por ele pretendida, bem entendido que não são os fins subjetivos do titular que se protegem, senão a aplicação dos fins enquanto a potencialidade objetiva dos bens de que se é titular e, neste sentido, mediatamente, a capacidade de cada sujeito para determinar autonomamente seu comportamento com ditos bens. Pelo contrário, um ataque inidôneo para afetar a funcionalidade do objeto em relação com os fins previstos por seu titular deverá considerar-se irrelevante em relação aos delitos contra a propriedade (Moccia, Sergio, Tutela Penale del Patrimonio e Principi Constituzionali, CEDAM, 1988).
Assim, não se espere a definição de um quantum para uma demarcação rigorosa entre o delito e o não-delito, posto que a noção há de ser captada em função da dinâmica dos valores postos em conflito. Isso invalida, de passagem, também a remansosa jurisprudência brasileira, que sempre esteve ocupada com a busca de um padrão estático (confundindo as noções de estática e estabilidade) para a definição do pequeno valor da coisa subtraída no crime de furto (art. 155, §2º, CP)` (op. cit., p. 168).

Para Luiz Flavio Gomes, `Bagatela significa ninharia, algo de pouca ou nenhuma importância. Para essa espécie de criminalidade nossa Constituição Federal usou a locução infrações penais de menor potencial ofensivo (CF, art. 98, I)` (op. cit., p. 89). Logo, tal mestre indicava, desde antes do advento da Lei 9.099/95, que os delitos que viriam a ser por ela estabelecidos como de `menor potencial ofensivo` seriam os `crimes de bagatela`.
Contudo, `A consideração de menor relevância do bem jurídico não pode ser confundida com a expressão do art. 98, inc. I, da Constituição brasileira, infrações de menor potencial ofensivo, porquanto não estão em relação direta a ofensividade e irrelevância do bem jurídico.
A potencialidade ofensiva, como o nome está a indicar, prende-se à faculdade - e portanto é abstrata - de ação lesiva a bem jurídico sobre o qual não existe nenhum juízo de valor - se relevante ou irrelevante. Adquire um sentido meramente singular e tem - o pior de tudo - reflexos meramente processuais. A irrelevância do bem jurídico na doutrina colacionada, ao contrário, tem uma dimensão plúrima, implicando as conotações sob o prisma da intervenção mínima e da insignificância. Bem jurídico irrelevante o é tanto algum injustificável num processo de seleção abstrata para a tipificação incriminadora, quanto um que, embora abstratamente relevante, tanto que fora captado pelo tipo penal - não foi suficientemente alcançado num grau mínimo para legitimar a intervenção concreta do Direito Penal` (Maurício A. R. Lopes, ob. cit., p. 144).
Estabelecendo, ainda melhor, a diferenciação entre os temas, o mesmo autor, à página 35 da obra citada, afirma: `A distância é enorme entre os conceitos e, embora respeitando a terminologia dos autores citados ao longo do trabalho, registro a diferença. A lesão caracterizada medicamente como um mero eritema (que causa um simples rubor na vítima), conquanto possa ser registrada por perícia imediata ou confirmada por testemunhas, é de significação ridícula para justificar-se a imposição de pena criminal face a não adequação típica da mesma, posto que a noção de tipicidade, modernamente, engloba um valor lesivo concreto e relevante para a ordem social. Assim, nesse caso, tem-se a inexistência da tipicidade do crime face à incidência do princípio da insignificância por falta de qualidade do resultado lesivo. Não há crime. A lesão corporal, por sua vez, que provoca na vítima incapacidade para suas ocupações habituais por uma ou duas semanas, ou que tenha perturbado temporariamente o funcionamento de membro, órgão, sentido, função - e que, portanto, jamais poderia ser reputada insignificante - pode dispor de um modelo processual mais célere, condicionando-se, mesmo, a iniciativa da ação penal à vítima...`.
Ocorre que, com o advento da Lei 9.099/95, sob o pretexto de `desafogar` as Varas Criminais, não tem sido feita a análise acima por parte dos i. Membros do Ministério Público ou pelos Magistrados, o que provoca, muitas vezes, a utilização, por parte do autor do ato infracional, de um dos benefícios da citada Lei quando, se analisado detidamente o fato à luz do princípio da insignificância, verificar-se-ia a inexistência de crime.

Não há que se confundir, em hipótese alguma, o princípio da `insignificância` com o da `adequação social`.
Luiz Flavio Gomes afirma: `No âmbito penal, a adequação social (de uma conduta) vale como critério corretivo do tipo penal que, por ser seletivo, não tem como escopo a incriminação de condutas ajustadas socialmente, amplamente toleradas ou aceitas pelo povo... Em casos concretos, em que a conduta do agente aparece claramente como algo comum, normal, consoante determinado ambiente e período histórico-cultural, afasta-se qualquer necessidade de pena, que político-criminalmente só se justifica (mesmo) quando em jogo está a convivência social, diante de ataques sérios e transcendentais para bens jurídicos de grande importância. Afastada a necessidade de pena, só resta encontrar a base jurídica ou o ponto de apoio sistemático que dê fundamento e torne possível esse resultado. No caso de condutas socialmente adequadas, esse ponto de apoio consiste exatamente na teoria da adequação social, que surge como negação do desvalor da ação e, desse modo, do próprio tipo penal e do delito` (`Estudos de Direito Penal e Processo Penal`, Ed. Revista dos Tribunais, 1ª edição, 2ª tiragem, 1999, p. 220-222).
O princípio da insignificância, por sua vez, é aplicável quando a conduta (em si típica e não considerada comum ou adequada pela sociedade) não atinge o bem jurídico tutelado suficientemente para que se possa concluir pela existência de crime.
Portanto, enquanto aplica-se o princípio da insignificância a qualquer caso, desde que o objeto jurídico tutelado não tenha sido atingido suficientemente (não ocorrendo crime), o princípio da adequação social (o qual não é muito aceito pela jurisprudência e, até mesmo, pela doutrina) seria aplicável somente às hipóteses em que ocorre um fato típico previsto em lei, mas que, em virtude de a sociedade entendê-lo como `normal` ou `aceitável`, não haveria necessidade de pena."

Pelo fato de o princípio da insignificância não encontrar previsão legislativa, sendo apenas criação doutrinária, muitos autores e julgados (como o último colacionado no Apêndice I) o contestam, afirmando que seu reconhecimento traria profunda insegurança jurídica.
Contudo, `Como afirma Odone Sanguiné, repetido por Vico Mañas, o princípio da insignificância nada mais é do que importante construção dogmática, com base em conclusões de ordem político-criminal, que procura solucionar situações de injustiça provenientes da falta de relação entre a conduta reprovada e a pena aplicável` (Maurício A. R. Lopes, op. cit., p. 167), e é exatamente nesse sentido que ele se revela verdadeira válvula de resgate da legitimidade do Direito Penal.
Na verdade, o princípio da insignificância, por buscar seus fundamentos em dados incontestáveis do Direito Penal, como sua subsidiariedade e fragmentariedade, além de se basear, também, no princípio da proporcionalidade, guia da intervenção penal em todo Estado Democrático de Direito, pode ser considerado como uma decorrência do modelo do Direito Penal.
Assim, `Conquanto não positivada na lei escrita, o princípio da insignificância surge como recurso teleológico para integração semântica e política do Direito Penal. É sabido que a norma escrita não contém todo o Direito Penal e que a construção teórica de princípios, como o da insignificância, não fere o mandamento constitucional da legalidade ou reserva legal` (Maurício A. R. Lopes, op. cit., p. 170).
O mesmo autor, a respeito do tema, esclarece: `Nem todos os princípios - mesmo os constitucionais - estão expressos nos documentos jurídicos de que se extraem. Há princípios que são normativos e outros que não são, mas não há especial transcendência de uns sobre os outros, quaisquer que sejam eles. A norma é indiciária no princípio, mas não conteudística obrigatória deste. Até mesmo o princípio constitucional da legalidade - quem diria - poderia ser inferido no sistema vigente, não sendo necessário nem mesmo a sua normação para que pudesse ser reconhecido e, sobretudo, aplicado` (op. cit., p. 71).
IX.b - Previsão legislativa de condutas imbuídas de um desvalor de resultado
O Código Penal Brasileiro prevê, em alguns casos (como art. 155, §2º e art. 170), figuras privilegiadas ou causas de diminuição de pena, considerando como fundamento o `pequeno valor` da `coisa` ou do `prejuízo da vítima`. Alguns autores entendem, então, que o princípio da insignificância estaria implicitamente impedido de ser invocado, considerando lesão de `pequeno valor` como sinônimo de `insignificante`.
Em nosso entender, contudo, diante de todo o exposto sobre o princípio da insignificância, parece clara a possibilidade de, analisando-se o caso concreto, verificar-se que a lesão ao bem jurídico tutelado é tão pequena, tão irrisória, que não chegue sequer a configurar a forma privilegiada prevista no Código Penal. O raciocínio a ser utilizado é, portanto, o mesmo que até aqui foi demonstrado.
IX.c - Ausência de resposta jurídica às lesões de direitos
Há quem veja na aplicação do princípio da insignificância uma ausência de resposta jurídica a violações de direitos, e que eventual inexistência de resposta do Estado poderia quebrar a harmonia social ao provocar uma busca pessoal por `justiça`.
`Parece-me tolo o argumento, posto que se está diante de uma lesão ou violação insignificante a um direito, assim, no campo da proporcionalidade, a reação que poderia ser gerada por essa satisfação de um sentimento pessoal de justiça também resulta de despicienda importância` (Maurício A. R. Lopes, op. cit., p. 176).
Assim, considerando-se que somente ficariam sem resposta jurídica os fatos que, de tão insignificantes, não seriam considerados crimes, realmente não comporta qualquer razão temer-se pela quebra da harmonia social.

`DESCAMINHO - Princípio da insignificância.
Ementa Oficial: Pelo princípio da insignificância, excluem-se do tipo os fatos de mínima perturbação social. A adequação social leva à impunidade dos comportamentos normalmente admitidos ainda que formalmente realizem a letra de algum tipo legal.
Ementa da Redação: Tendo-se em vista o alto custo social que a pena apresenta, as lesões de bens jurídicos só podem ser submetidas à pena, quando isso seja indispensável para a ordenada vida em comum. Uma nova política criminal requer o exame rigoroso dos casos em que convém impor pena (criminalização) e dos casos em que convém excluir, em princípio, a sanção penal (descriminalização), suprimindo a infração, ou modificar ou atenuar a sanção existente (despenalização)` (RT 734/748, T.R.F. da 1ª Região, Ap. 95.01.31300-0/MG - 3ª T. - j. 25.03.1996 - Rel. Juiz Tourinho Neto).
No julgado acima parcialmente transcrito, nota-se uma certa `fusão` entre o princípio da insignificância e o da adequação social. Na verdade, como visto anteriormente, trata-se de dois institutos distintos, que podem e devem ser utilizados pelo Julgador, mas que, em hipótese alguma, devem ser confundidos.
No caso específico, o Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal Tourinho Neto entendeu que o fato de o apelado ter sido encontrado com mercadorias de procedência estrangeira (trinta e oito litros de whiskies e vinte calculadoras), desacompanhadas de documentação legal, não configura crime porque, pelo princípio da insignificância, a quantidade encontrada não significava lesão tributária ao Fisco de valor de expressão, e, pelo princípio da adequação social, a atitude dele (`sacoleiro`) é aceita pela sociedade.
E mais, S. Exa., citando lição de Heleno Claudio Fragoso, afirma que A incriminação só se justifica quando está em causa um bem ou um valor social importante, idéia que, como analisado anteriormente, embora não possa ser considerada `nova`, está em evidência, tendo em vista recentes entrevistas concedidas pelo atual Ministro da Justiça, Dr. José Carlos Dias.
Em tais entrevistas, segundo o repórter Arnaldo Galvão, do jornal O Estado de São Paulo, o Ministro da Justiça teria afirmado que seu Ministério `vai preparar um novo projeto de reforma do Código Penal. Uma das principais mudanças é reservar a prisão apenas para os condenados que representem perigo para a sociedade. Os crimes mais leves seriam punidos com multas, restrição de direitos e penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade` (reportagem publicada em 27/8/1999).
Em 28/8/1999, nova matéria do mesmo repórter afirmava que `O Ministro da Justiça, José Carlos Dias, defendeu ontem, em São Paulo, mudanças na legislação para que alguns comportamentos sejam punidos com mais eficiência, o que significa que deixem de ser considerados crime. Usuário de drogas leves - ele citou o exemplo da maconha - deveriam, segundo ele, ter tratamento educacional, e não ser mandados para a prisão. Os que hoje são denunciados por crimes financeiros e ambientais poderiam ser punidos de uma maneira mais eficiente, pagando pesadas multas. Algumas leis são tão falhas que é raro ver alguém condenado pela Justiça. Dias afirmou que punições administrativas podem ser mais eficientes e reduzir a impunidade. O custo mensal de um preso é R$650,00, e o Estado poderia usar esse dinheiro de maneira mais inteligente, comentou. O governo deve propor mudanças significativas na legislação criminal, adotando os princípios que os juristas chamam de direito penal mínimo. Isso significa condenar à prisão somente os criminosos que não podem conviver em sociedade. os crimes mais leves poderiam ser punidos com o pagamento de multas, restrição de direitos e prestação de serviços à comunidade`.
Contudo, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista a Boris Casoy no programa Passando a Limpo, apresentado pela Rede Record de televisão no dia 29/8/1999, ou seja, logo em seguida às declarações do Ministro, disse que elas, principalmente em relação às drogas leves, são opiniões pessoais do Dr. José Carlos Dias, e não do Governo.
Enfim, o tema do uso excessivo do Direito Penal está em evidência, e, com ele, cresce, também, a importância do `princípio da insignificância`, muito embora não tenha sido diretamente referido.
O Egrégio Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo assim já decidiu:
`PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - Furto - Pequeno valor da coisa furtada - Atipicidade do fato ante ausência da lesividade ou danosidade social.
Ementa da Redação: A lei penal jamais deve ser invocada para atuar em casos menores, de pouca ou escassa gravidade. E o princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do `nullum crimen sine lege`, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal` (RT 733/579, TACrimSP, Ap. 988.073-2 - 10ª Câm. - j. 03.01.1996 - rel. Juiz Márcio Bártoli).
Nesta lapidar decisão, o Exmo. Sr. Dr. Juiz Márcio Bártoli, após dar verdadeira aula sobre o princípio da insignificância, magistralmente finaliza seu voto afirmando que `muitas vezes, apesar de a conduta ajustar-se formalmente ao tipo legal de crime, a tipicidade não resta esgotada nessa subsunção por não ter atingido o bem jurídico de forma ofensiva ou concretamente perigosa que justifique uma reação penal`. Cremos que, nesta frase, fica resumida toda a doutrina sobre o `princípio da insignificância`.
Vale destacar, também, a aplicação do princípio da insignificância pelo Egrégio Tribunal de Alçada Criminal em caso de delito não patrimonial:
`MAUS-TRATOS - Professor que, para manter a disciplina, dá um tapa e um empurrão em aluno menor que brigava com colega - Meio antipedagógico que não caracteriza crime - Absolvição mantida - Inteligência do art. 136, §3º, do CP.
Ementa Oficial: A figura típica do art. 136 do CP, visa punir aquele que coloca em risco a vida ou a saúde de alguém. Simples empurrão ou um tapa, por mais antipedagógico que possa parecer, à primeira vista, não configura o crime.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - Maus-tratos - Corrigenda moderada - ausência de periclitação à vida ou à saúde - Atipicidade.
Ementa da redação: O direito não proíbe corrigir e disciplinar moderadamente, somente se justificando sentença condenatória por crime de maus tratos quando demonstrada a periclitação à vida ou à saúde, fora desses casos é de aplicar o princípio da insignificância` (RT 725/613, Ap. 962.617/7 - 3ª C. - j. 12.09.1995 - Rel. Juiz Peçanha de Moraes).
Por fim, devemos ainda exemplificar um caso em que não se entendeu cabível o princípio da insignificância, através de decisão da Egrégica Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
`MENOR - Infração - Direção de veículo sem habilitação - Representação - Rejeição - Insignificância do ato como fundamento - Inadmissibilidade - Interesse de agir do Ministério Público, por tratar-se de ato infracional - Recebimento da representação determinado - Recurso provido.
Se a lei é justa ou não, certa ou errada, cabe ao Poder Legislativo revogá-la ou consertá-la, não podendo o Juiz deixar de cumpri-la.
..............................................................
Apelação Cível n. 27.921-0.
ACÓRDÃO
Ementa oficial:
Menor surpreendido dirigindo veículo automotor - Representação rejeitada porque não há consenso popular quanto à ilicitude do ato; porque não demonstrada a imperícia do menor; porque a apreensão do veículo e encaminhamento do menor à Delegacia de Polícia já lhe serviram de lição; porque insignificante o ato - Inadmissibilidade - Conduta que em tese caracteriza ato infracional - Apelação provida para recebimento da representação.
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Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público contra a respeitável sentença de fls. que rejeitou representação que ofereceu contra o adolescente G. S. V., nascido em 5.1.77, por ter dirigido veículo automotor. Sustenta, em resumo, que o menor praticou ato infracional e que portanto a inicial não poderia ser rejeitada.
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A apelação merece acolhida.
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...não há falar em insignificância do ato. Tal entendimento não pode prevalecer. Vingasse tal entendimento, então a contravenção do artigo 32 seria insignificante, uma `bagatela` para uns Juízes, para outros não; o mesmo aconteceria, verbi gratia, com a contravenção do artigo 34, com a do artigo 19, etc. Haveria também quem não considerasse certos atos como crime, como, por exemplo, a sedução, o aborto, etc., muitas vezes dependendo do humor do Magistrado e assim teríamos uma total insegurança e incerteza. E não é isso que a sociedade espera dos Juízes.
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Em face do exposto, dá-se provimento à apelação para receber a representação, prosseguindo-se com o feito.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Dirceu de Mello (Presidente) e Luís de Macedo.
São Paulo, 18 de julho de 1996.
OLIVEIRA PASSOS, Relator` (JTJ - Volume 183 - Página 112).

Diante de todo o exposto, pode-se concluir que:
- a hipertrofia do Direito Penal é um problema antigo, e pouco tem sido feito para solucioná-la;
- a norma penal somente atinge certos bens jurídicos (os mais relevantes), e contra determinadas formas de agressão, e não todos os bens jurídicos contra todas as infinitas formas de agressão (caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal);
- atentando-se a um conceito material de ilicitude, deve-se sempre verificar qual o objeto jurídico tutelado pela norma penal, e quanto, no caso concreto, ele foi atingido;
- a `insignificância` surge como princípio, isto é, como `disposição fundamental` do sistema, assentada principalmente no princípio da legalidade, na eqüidade e na razoabilidade;
- apesar de o `princípio da insignificância` ter surgido em função do excesso de delitos irrelevantes com caráter patrimonial, é ele um princípio geral do Direito Penal, devendo ser aplicado a todos os bens jurídicos penalmente tutelados;
- são considerados `crimes de bagatela` tanto aqueles que, mesmo quando consumados, produzem escassa lesão social (próprios) quanto aqueles que não chegaram a produzir o dano social que poderiam ter produzido (impróprios) - classificação de Krümpelman;
- não se deve confundir `crimes de bagatela` com as `infrações penais de menor potencial ofensivo`, previstas pela Lei 9099/95, merecendo este tema maior atenção por parte de todos os aplicadores do Direito Penal;
- são completamente distintos os princípios da `insignificância` e da `adequação social`, muito embora, em alguns casos, possam ser utilizados em conjunto;
- através da criação do `princípio da insignificância` buscou a doutrina restabelecer a legitimidade do Direito Penal, fazendo com que a ele possa se preocupar apenas com relevantes lesões aos valores jurídicos penalmente tutelados.

* Ackel Filho, Diomar, O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL, in REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL DE SÃO PAULO, v. 94, 1988, p. 72-77;
* Batista, Nilo, INTRODUÇÃO CRÍTICA AO DIREITO PENAL BRASILEIRO, Ed. Revan, 4ª edição, 1999;
* Fragoso, Heleno Claudio, LIÇÕES DE DIREITO PENAL, PARTE GERAL, Ed. Forense, 5ª edição, 1983;
* Gomes, Luiz Flavio, TENDÊNCIAS POLÍTICO-CRIMINAIS QUANTO À CRIMINALIDADE DE BAGATELA, in REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, Ed. Revista dos Tribunais, número especial de lançamento, 1992; ESTUDOS DE DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL, Ed. Revista dos Tribunais, 1ª edição, 2ª tiragem, 1999;
* Lopes, Maurício Antonio Ribeiro, PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL, SÉRIE PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL MODERNO, V. 2, Ed. Revista dos Tribunais, 1997;
* Mello, Celso Antonio Bandeira de, CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, Malheiros Editores, 5ª edição, 1994;
* Mirabete, Julio Fabbrini, MANUAL DE DIREITO PENAL, PARTE GERAL, V. 1, Ed. Atlas, 7ª edição, 1993;
* Toledo, Francisco de Assis, PRINCÍPIOS BÁSICOS DE DIREITO PENAL, Ed. Saraiva, 5ª edição, 1994.
Fonte: http://www.azevedo.adv.br/lermais_materias.php?cd_materias=51
XII - BIBLIOGRAFIA
XI - CONCLUSÕES
X - ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
IX - PRINCIPAIS CRÍTICAS AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
VIII - DIFERENCIAÇÃO ENTRE `PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA`E `PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL`
VII - DIFERENCIAÇÃO ENTRE `CRIMES DE BAGATELA` E `INFRAÇÕES PENAIS DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO`
VI - SIGNIFICADO DE `DELITOS DE BAGATELA`
V - ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO `PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA`
IV - O CARÁTER SUBSIDIÁRIO E FRAGMENTÁRIO DO DIREITO PENAL
III - PRINCÍPIOS BÁSICOS DO DIREITO PENAL
II - CONCEITO DE `PRINCÍPIO`

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