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ESTUPRO DE VULNERÁVEL ( Art. 217-A, CP) X Teoria Analítica do crime

Posted by Chrystiano Angelo On domingo, 8 de janeiro de 2012 1 comentários
ESTUPRO DE VULNERÁVEL ( Art. 217-A, CP) X Teoria Analítica do crime

 
            A legislação penal brasileira, eminentemente composta pelo decreto-lei 2.848, de 07.12.1940, que é conhecido como O CÓDIGO PENAL BRASILEIRO, e legislação penal extravagante, foi recentemente alterada, recebendo inovações, novas reprimendas de cunho criminal e atualizações devido ao contexto histórico hoje vivido pela sociedade.

           O legislador, na reformulação de um dos títulos mais polêmicos e discutidos em sede doutrinaria e jurisprudencial, cometeu contradições entre a teoria geral do crime e o tipo penal que prevê o crime de estupro de vulneráveis, que aqui será detidamente analisado à luz da teoria analítica do crime, a qual nos filiamos.
 
           De inicio, faz-se necessário esclarecer e analisar a teoria analítica do crime, adotada pelo nosso ordenamento jurídico-penal, para após demonstrar a minha visão, meu entendimento a respeito de ambos os institutos.
 
           Falar em crime não é tão simples como vimos em jornais, reportagens etc.
Para explicar a expressão tão utilizada socialmente e definir o seu exato alcance, inúmeras teorias surgiram para explicar tal fenômeno. Aqui vamos no ater à teoria que ganhou apoio da maior parte da doutrina e é tida como majoritária em nossos dias.

           De acordo com a teoria analítica do crime, que pelo próprio nome já nos diz tudo, tem por objetivo analisar todos os componentes que compõem o crime, quais sejam: tipicidade, ilicitude e culpabilidade.
 
         TIPICIDADE: um dos elementos da teoria analítica do crime, a tipicidade é composta por camadas que devem ser analisadas detidamente pelo aplicador do direito para auferir se a mesma está presente ou não naquele fato. A primeira delas é a CONDUTA, que pode ser comissiva, omissiva, dolosa ou culposa. Após, vem o nexo causal que vem a ser o elo entre a conduta e um possível resultado quando estamos tratando de crimes materiais. Logo em seguida, vem o resultado, que pode ser entendido como a mudança, a transformação substancial que o fato praticado trouxe ao mundo exterior. Ex. Crime de homicídio, onde o resultado é a morte da vitima de tal delito. Em seguida passemos à análise da tipicidade conglobante, que é dividida em tipicidade formal e material.
Tipicidade formal é a mera adequação do fato à norma, à subsunção. Em outras palavras, a previsão no texto de lei que aquela conduta praticada pelo agente é reprimida pelo ordenamento jurídico vigente. A tipicidade material é entendida quando a conduta praticada fere, avilta um bem juridicamente tutelado pelo sistema penal. Ex. Crime de lesões corporais: tem por objetivo proteger a integridade física das pessoas, logo, este é o bem juridicamente tutelado pelo código penal através desta previsão legal (art. 129, CP).

         ILICITUDE/ANTIJURIDICIDADE: há uma presunção iuris tantum(admite-se prova em contrário) de que todo fato, após auferida a tipicidade, é tido como ilícito.

            Depois de cometido um fato típico, o julgador buscará auferir a ilicitude, que é tida como presumível, sendo ônus da parte ré comprovar que cometeu o fato sob o manto de uma das causas excludentes de ilicitude, que por sua vez excluem a antijuridicidade, quebrando a presunção in malam partem contra o réu.
 
São as causas excludentes de ilicitude as previstas no art. 23 do código penal, que são: LEGÍTIMA DEFESA, ESTADO DE NECESSIDADE, ESTRITO CUMPRIMENTO DO MISTER LEGAL E EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO.
 
Havendo uma dessas causas, NÃO existirá crime. Silogismo, ou há fato típico, ilícito e culpável ou NÃO haverá crime.

         CULPABILIDADE: pode ser entendida como o juízo de reprovabilidade que a sociedade faz de um delinqüente que veio a praticar um fato em tese criminoso.
O agente que pratica fato típico e ilícito e que NÃO se inclui em nenhuma das causas que excluem a culpabilidade, será este, considerado culpável.

          Então podemos afirmar ser o crime um fato, um acontecimento que seja típico, ilícito e culpável.
 
          Temos em nosso ordenamento jurídico, apoiado pela doutrina e jurisprudência, circunstâncias que, inseridas nelas, o autor de um fato típico e ilícito será considerado inimputável. Inimputabilidade é a condição daquele que por circunstâncias, seja de ordem natural, por vicissitudes da vida ou por situações que sejam capazes de retirar o discernimento do delinqüente para saber portar diante o certo e o errado.
          Como causas que geram a inimputabilidade, podemos citar aqui a menoridade, a ausência de consciência a respeito da ilicitude do fato, a ordem manifestamente ilegal emanada de superior hierárquico, a deficiência mental, reduzida ou suprida, dentre outras.
 
          Tendo em vista que para o fato ser considerado criminoso ele necessita da presença indispensável da tipicidade, ilicitude e culpabilidade, podemos partir para o objeto central a que se propõe discutir nesse artigo.
 
          O crime de estupro de vulnerável, vem previsto no Art.217-A do código penal e foi introduzido pela lei n° 12015/09 que teve por objetivo abolir, atualizar e implementar o título que trata sobre os crimes contra a dignidade sexual.
          A primeira e perceptível alteração trazida pela lei é notória ao se abrir o título. Percebe-se a alteração do nomen iuris do título, que antigamente era tratado como crime contra a liberdade sexual, e hoje, após a inovação legislativa é chamado crime contra a dignidade sexual.
 
          Dentre inúmeras novidades, a lei 12015/09 trouxe um novo crime, estupro de vulnerável, que tem a seguinte redação abaixo colacionada.
 
 
Estupro de vulnerável
 
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
 
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
 
§ 1º - Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
 
§ 2º - (VETADO).
§ 3º - Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º -  Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
 
            Após a leitura do dispositivo acima tratado, há necessidade de se mostrar a contradição levada a efeito pelo legislador pátrio ao prever no "caput" do artigo 217-A,  a conduta criminosa daquele que simplesmente mantém relação de índole sexual com uma pessoa menor de 14 anos de idade. Levando a efeito o conceito de crime trazido pela teoria analítica, há a perceptível ausência de tipicidade de índole material na conduta daquele que mantém relação sexual ou pratica qualquer ato libidinoso com alguém após o seu consentimento, pois como se vê, na tipicidade material, quer-se proteger um bem juridicamente importante para o ser humano, no caso a liberdade e dignidade sexuais. Porém, a partir da análise critica do ponto de vista em que a suposta vítima consentiu a prática do ato sexual, ela está "abrindo mão" de qualquer direito no que diz respeito à liberdade sexual, pois foi concedida, e NÃO forçada.

           Neste caso, percebe-se que a lei faz uma previsão criminal muito aberta, sem deixar margens ao aplicador do direito de ponderar as circunstâncias do caso concreto submetido ao seu julgamento, NÃO podendo ele ponderar a circunstância de ter a vitima, que NÃO foi vitima de abuso sexual algum, tendo consentido a prática daquele ato, excluindo-se a tipicidade conglobante, haja vista estar ausente a peça chave formadora, que é a tipicidade material. Esta, de forma alguma está sendo desrespeitada, levando assim ao intérprete considerar este fato atípico, ante a ausência de tipicidade material.
 
           Absolutamente contrário ao preceito do livre arbítrio, a lei limita uma idade em que o consentimento será válido com o fim de excluir o crime. Nostálgico fico ao ver casos em que o cidadão foi preso, julgado e condenado, nada podendo fazer o magistrado, por ter aquele mantido relação sexual consentida com uma pessoa menor de 14 anos e que às vezes é até mais experiente que uma de 20 anos.

           Sabe-se da intenção de cunho altruísta do legislador em criar tipos penais protegendo as pessoas de idade reduzida ou acometidas de doenças mentais, mas NÃO se pode negar que deve haver margens interpretativas excluindo a tipicidade desse tipo de delito. NÃO vejo ser este um direito indisponível ao qual a lei e o poder público devam se preocupar e criar tipos penais incriminadores absurdos e ridículos quando NÃO se abre exceções como esse caso.

          Senadores e deputados, muitos deles analfabetos escolhidos pelo povo por  ignorância chegam a se eleger por pura ironia do destino. Nesses casos podem ser considerados o parlamento, o poder legislativo, criar normas e leis para um país? Creio que NÃO. Muitos atuam ventilados por manifestações populares que NÃO tem nem pé nem cabeça e criam leis sem o devido critério.
 
          Com este artigo, busca-se conscientizar a sociedade e os poderes do nosso Estado democrático de que nem tudo que aparenta, realmente é. Julgar com falso moralismo é bem fácil, difícil é buscar as razões e ponderar o caso concreto, buscando assim a verdadeira noção de justiça tão almejada por nós a fim de que NÃO se retire um dos bens mais preciosos da vida de um ser humano, senão o mais precioso, que é a liberdade de ir e vir e a preservação de sua imagem e honra.

1 comentários:

LOIDE disse...

Excelente comentário! Aí o direito se afasta - e muito - da justiça, pois aquele é o que está insculpido e vincula o julgador e esta é o que deveria ser levada em consideração ao se analisar a letra da lei e suas nuances, pois nas entrelinhas têm, por vezes, ditames interpretativos que deveriam nortear o magistrado.

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