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Lei Seca e mortes no trânsito

Posted by Chrystiano Angelo On quinta-feira, 17 de novembro de 2011 0 comentários

Lei Seca e mortes no trânsito


  • No dia 9 de novembro de 2011, foi aprovado em caráter terminativo pelo Senado (ainda há necessidade de ratificação pela Câmara dos Deputados) o interessante Projeto de Lei que modifica substanciosamente o art.306 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), merecendo destaque as seguintes alterações:

    Primeiro, houve supressão da expressão "estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas" constante no caput do art.306 do CTB. Desta forma, não mais haverá a exigência desse grau de alcoolemia para se configurar o crime; o simples fato de o motorista estar dirigindo embriagado poderá configurar o delito.

    Segundo, a pena foi drasticamente aumentada em relação aos crimes praticados no trânsito. Apenas para se ter uma noção, pela redação original (hoje vigente) do art.302 do CTB, a pena para o homicídio culposo no trânsito é de 2 a 4 anos de detenção. Pelo Projeto (art.306, § 4º do CTB) esta pena passará a variar de 8 a 16 anos de reclusão!
    Terceiro, a comprovação da embriaguez hoje é realizada, sobretudo, pelo teste do bafômetro (etilômetro) ou exame de sangue. Agora, o Projeto prevê expressamente no § 6º do art.306 do CTB outros meios de provas, tais como: prova testemunhal, imagens, vídeos, exames clínicos ou "quaisquer outras provas em direito admitidas".

    Em face da notória importância e aplicabilidade, vale a pena analisar com maior afinco tais modificações.

    Pois bem, a supressão da quantidade dos 6 (seis) decigramas é, a meu ver, de muito bom alvitre. Hoje, vemos o motorista visivelmente embriagado, trançando as pernas, negar-se de forma irônica a soprar o bafômetro sob o pálio de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Essa situação agora poderá ser evitada, pelo uso da lei.

    Em outras palavras, o irresponsável usava uma garantia como "escudo protetivo", muitas vezes, para a prática de um crime (não confundir com infração administrativa prevista no art.165 do CTB), haja vista que não se poderia comprovar o grau de alcoolemia no sangue, muito embora todos os policiais e testemunhas do local pudessem aferir, de plano, a embriaguez do desditoso motorista.

    Aplicava-se, então, o princípio de que, na dúvida, beneficia-se o réu. Ou seja, se não foi possível, naquele caso concreto, comprovar a concentração de 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue, não se poderia processar e, muito menos, condenar o investigado. Assim, o resultado dessa equação já é bem conhecido: impunidade e diversos inocentes mortos por ocorrências no trânsito.

    Por sua vez, sobre o aumento da pena para os crimes de trânsito, muitos podem alegar que o Direito Penal estaria cumprindo uma função meramente simbólica e insuflada pelo movimento da "Lei e Ordem", mas pelo nosso entendimento há muito tempo existe a necessidade de, especificamente, aumentar-se a pena para o homicídio culposo no trânsito e, por cascata, aos demais resultados lesivos (lesão grave e gravíssima).

    A pena ínfima para esse delito sempre foi bastante criticada, em síntese, ela dá azo a injustiças quando, por exemplo, não se consegue a comprovação do dolo eventual no caso concreto. Dessa forma, o motorista claramente assumia o risco de produzir um resultado mais grave ao dirigir embriagado, em velocidade excessiva (duas ou três vezes a mais que o permitido para o local) e, mesmo assim, aplicava-se o benefício da dúvida e ele respondia nos termos daquela pena ínfima para o crime culposo.

    É óbvio que não se deve empregar "fórmulas matemáticas" para se atestar a presença do dolo eventual, que realmente não pode ser presumido (deve ser comprovado), mas é perfeitamente factível a sua configuração pela análise das circunstâncias do caso concreto, uma vez que ninguém vai confessar que, para ele, dirigir em velocidade excessiva e embriagado era "o menor dos males".

    Todavia, com o projeto, essa pena foi até excessivamente aumentada. O Direito Penal não pode ser aplicado hobbesianamente. Veja bem, pena de 16 anos de reclusão para um crime culposo é algo que destoa da proporcionalidade; pode ser superior, inclusive, a pena cominada para um homicídio qualificado (art.121, § 2º do CP - pena: 12 a 30 anos de reclusão).
    Portanto, a meu ver o ponto fulcral é que o Direito Penal deve respeitar a proporcionalidade sob suas duas vertentes, quais sejam: vedação da proteção deficiente dos bens jurídicos (no caso, a vida de terceiros inocentes no trânsito), por outro lado, a proibição do excesso (o Estado não pode se exceder nesta punição).

    Em relação à modificação quanto à comprovação da embriaguez, óbvio que a alteração é de nítido bom senso. Ora, não se pode limitar o campo da prova apenas ao bafômetro ou ao exame de sangue, sob pena de se restringir a aplicabilidade do próprio dispositivo e respaldar a utilização de um direito como escudo protetivo para a prática de crimes, sendo que a ninguém é lícito beneficiar-se de sua própria torpeza.

    JÚLIO MEDEIROS é advogado criminalista, membro da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB/MT e professor de Direito Penal da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).





  • Fonte:  www.criminalistanato.blogspot.com

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