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TEORIA DO CRIME: CONCEITO DE CRIME.

Posted by Chrystiano Angelo On sábado, 3 de setembro de 2011 0 comentários
Daniel Ribeiro Vaz
Érika Fontes de Almeida
Daniel Ribeiro Vaz 
 Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista (FADAP), (2000). Pós Graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal Pela Fundaçao Eurípedes Soares da Rocha (UNIVEM), (2001/2002). Atualmente é professor da Universidade Tiradentes (UNIT
Érika Fontes de Almeida
Aluna de Graduação do curso de Direito pela Universidade Tiradentes – SE. Bolsista do Programa Universidade para Todos do Governo Federal. Estagiária do Tribunal de Justiça/SE, Grupo de Pesquisa Direito Constitucional: Sociedade, Política e Economia – UNIT, orientador professor Ilzver de Matos Oliveira (http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4599614Y7 ), projeto  conclído.



RESUMO
O presente trabalho possui por objetivo a análise da evolução dos elementos componentes do conceito analítico do delito, através da qual, procura identificar o atual estado em que se encontra o Direito Penal brasileiro.
Partindo de um retrospecto histórico pelas Teorias que nortearam a evolução do Direito Penal, quais sejam, Teoria Causalista, Neokantismo, acompanhando a sua evolução através das Teorias Finalista e Funcionalista do Delito, lançando-se por fim em uma análise da Imputação Objetiva e da Tipicidade Conglobante. Tem por escopo demonstrar a superação das vetustas discussões a respeito da adoção do conceito tripartido do delito e a necessidade premente de que o Direito Penal Brasileiro acompanhe a evolução da Ciência Penal, em consagração aos princípios norteadores do Estado Democrático de Direito. Possibilita desse modo, diante do caso concreto, maior justiça na imputação do fato criminoso a determinado autor, após a acurada verificação de todos os elementos do conceito Tripartido do Delito, no qual a tipicidade dotou-se de nova dimensão, qual seja, a dimensão normativa, além das dimensões formal e subjetiva.

PALAVRAS-CHAVE
Imputação objetiva, teoria tripartida, tipicidade conglobante.

ABSTRACT
The present work has as objective the analysis of the evolution of the elements of the analytical concept of the crime, by which seeks, to identify the current state it is in the Brazilian Criminal Law.
From a historical retrospective by theories that guided the evolution of criminal law, namely, causal theory, neokantianism, following its evolution through the purpose and functionality Theories of Crime, throwing herself at last in an objective analysis of the allocation and the Typical Conglobante, with the aim of demonstrating the resilience of the age-old discussions about the adoption of the tripartite concept of the crime and the compelling need for the Brazilian Penal Law follows the evolution of Penal Science, in dedication to the guiding principles of a democratic state. Enables thus before the case, graer justice in the allocation of a criminal act a certain author, after accurate verification of all elements of the tripartite concept of crime, in which typicality has set up a new dimension, namely, the size normative dimensions beyond the formal and subjective.

KEYWORDS
Imputation objective, tripartite theory, typicality conglobante.

1 INTRODUÇÃO

Observa-se que a doutrina colaciona 3 (três) conceitos de crime, ex vi: material, formal e analítico, onde o primeiro refere-se ao conceito social, pois a sociedade tende a caracterizar como “crime” algo que considera grave; conceito este por óbvio profano ao Direito, mas norteia o Poder Legislativo para que este, após utilizar os princípios como “filtros” ou limites, legisle, com fundamento e à luz do princípio da reserva legal com todos os seus desdobramentos, nascendo, portanto o conceito formal de crime.
O conceito formal de crime fragmentado em elementos origina o conceito analítico, oriundo da ciência do Direito Penal, cujo aspecto científico é notório.
Os elementos oriundos da fragmentação analítica do conceito formal são 4 (quatro): Fato Típico ou Tipicidade; Fato Antijurídico, Antijuridicidade ou Ilicitude; Fato Culpável ou Culpabilidade; Fato Punível ou Punibilidade.
À luz destes elementos, a doutrina divide-se, no que tange à conceituação analítica de crime, admitindo-se 5 (cinco) posições a respeito (NUCCI, 2010, p. 167):
1º entendimento: crime é fato típico e antijurídico, onde a culpabilidade é mero pressuposto de aplicação da pena, a chamada Teoria Bipartida do Delito, adeptos Damásio E. de Jesus, Julio F. Mirabete, Rene Ariel Dotti, Celso Delmanto, Flavio Augusto Monteiro de Barros, dentre outros (NUCCI, Op. cit., p. 167);
2º entendimento: crime é fato típico, antijurídico, culpável e punível, Teoria Quadripartida do delito, admitindo como seguidores Hassemer, Munõs Conde na Espanha, Giorgio Marinucci, Emilio Dolcini, Battaglini na Itália e o falecido Basileu Garcia no Brasil (NUCCI, Op. cit., p. 167);
3º entendimento: crime é fato típico e culpável, onde a antijuridicidade esta inserida no fato típico, defendida por Miguel Reale Jr. ao adotar a Teoria dos Elementos Negativos do Tipo (NUCCI, Op. cit., p. 167);
4º entendimento: crime é fato típico, antijurídico e punível, onde a culpabilidade é mero pressuposto de aplicação da pena, a chamada Teoria Constitucionalista do Delito de Luiz Flávio Gomes (NUCCI, Op. cit., p. 168);
5º entendimento: crime é fato típico, antijurídico e culpável, Teoria Tripartida do Delito a qual pode ser analisada sob duas óticas: a) a ótica da Teoria Causalista ou Clássica (Nélson Hungria, Magalhães Noronha, dentre outros); b) ou sob a ótica da Teoria Finalista de Hans Welzel (Francisco Assis Toledo, Heleno Fragoso, Juarez Tavares, Cezar Roberto Bittencourt, Guilherme de Souza Nucci, Eugênio Raúl Zaffaroni, José Enrique Pierangeli, Luis Régis Prado, Rogério Greco, dentre outros) (NUCCI, Op. cit., p. 168).
O presente trabalho tem por objetivo demonstrar, por razões históricas, filosóficas sociológicas e jurídicas, que este último é o conceito que mais atende à hodierna realidade jurídica, ainda que dotado de certo atraso jurídico-penal.

2 ANTECEDENTES DA TEORIA DO CRIME E A MODERNA CONCEPÇÃO ESTRATIVISTA DO DELITO

Historicamente, podemos dividir o conceito de delito em 5 (cinco) construções, explanadas a seguir.

2.1 CONCEITO CLÁSSICO DE DELITO (TEORIA CAUSALISTA E POSITIVISMO JURÍDICO)

Conforme Cezar Roberto Bittencourt (2008, p. 205), Von Liszt e Beling elaboraram o conceito clássico de delito, o qual poderia ser representado como um movimento corporal, produzindo uma modificação no mundo exterior (ação X resultado). Tal conceito de ação seria naturalístico, ou seja, neutro ou desprovido de valoração subjetiva, onde a ligação entre ação e resultado se daria com o nexo de causalidade; preferimos a substituição terminológica de ação para conduta, pois esta abrangeria tanto a ação quanto a omissão (própria e imprópria), portanto, teríamos a fórmula: conduta à resultado = nexo causal. Nesta ideia inicial, dividiam-se claramente os aspectos objetivos (fato típico ou tipicidade e antijuridicidade) do aspecto subjetivo (culpabilidade), criticada posteriormente por Hans Welzel.
Este conceito clássico de delito estava desprovido de verificações de ordem filosófica, sociológica ou psicológica, pois é oriundo do positivismo jurídico (BITTENCOURT, 2008, p. 206).
A exemplo, tipicidade seria a simples adequação do fato à norma e delito seria a contrariedade à norma. Concepção esta exageradamente formal (BITTENCOURT, Op. cit., p. 207).
Os conceitos formais ou unitários de delito são oriundos dos jusfilósofos, como e.g.: as ideias kelsianas, salvo a Escola de Kiel, onde negou-se, absurdamente, a própria dogmática do delito partindo da premissa de que o delito deveria ser verificado por critérios puramente políticos e extremamente abertos (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 368).
As duas grandes escolas do Positivismo Jurídico nasceram na Alemanha (“Positivismo Jurídico“ de Binding) e na Itália (Rocco “Escola Técnico Jurídico”) e partem da premissa de que os estudos relacionados ao criminoso – realidade, frequência dos delitos – e à vítima, referem-se a outras áreas da ciência como e.g.:a criminologia, uma vez que o Direito Penal deve ater-se ao estudo da norma jurídica, sendo esta, portando o objeto do Direito Penal.
Esta escola influenciou todos os penalistas brasileiros do Século XX. Em suas obras notam-se: sujeitos do crime, objeto jurídico, tempo do crime, momento consumativo, prescrição, etc.; o estudo da criminologia i.e. é deixado de lado por estes, desconectados por completo que estavam os mesmos da realidade.
Sob a égide do Positivismo Jurídico nasce a primeira Teoria do Delito, ou seja, Teoria Causalista (Von Liszt e Beling – 1906), onde o delito era estudado da seguinte forma: a) aspecto objetivo do delito, i.e. fato típico/tipicidade e antijuridicidade (Injusto Penal); b) aspecto subjetivo, i.e. culpabilidade (Teoria Psicológica – vínculo psicológico (dolo ou culpa) entre o agente e o fato).
No causalismo a conduta é tida como uma ação ou omissão voluntária e consciente que provoca movimentos corpóreos, ou seja, neutralidade da conduta, desprovida de finalidade, pois a conduta é naturalista. Luís Régis Prado (2005, p. 100) disserta a respeito: “Na concepção positivista essencialmente naturalista reside o fundamento epistemológico da teoria causal-normativa da ação e do conceito clássico de delito”.
A ideia de que a norma penal é neutra, desprovida de demais aspectos analíticos não condiz com a realidade hodierna, pois esta é sempre reflexo de determinado momento político-social. Atendendo o Direito Penal, portanto, a um conjunto de ideologias épicas.

2.2 CONCEITO NEOCLÁSSICO DE DELITO (NEOKANTISMO)

Immanuel Kant faz na valoração kantista uma junção do racionalismo com o empirismo, ou seja, parte da premissa de que o conhecimento se apresenta por razões racionais (racionalismo de Berkeley), onde todo conhecimento do homem nasce de sua consciência assim como deriva-se de aspectos sensoriais (Hume), mesclando assim duas correntes filosóficas aparentemente antagônicas; portanto, translúcido o aspecto valorativo kantiano, estendendo o mesmo pela moral e demais valores éticos (GAARDNER, 2009, p. 347).
Observa-se que após 1906, surge na evolução histórica da Teoria do Delito o Neokantismo, onde se recriou a Teoria dos Valores de Kant no Direito Penal. A qual exige um aspecto valorativo, onde a tipicidade não seria mais neutra, como no causalismo, e sim valorativa. Assim como, a antijuridicidade não mais seria apenas a contrariedade do fato à norma, mas sim acrescentar-se-ia a lesão ou ameaça de lesão (dano social) ao bem jurídico tutelado (futuramente com Luigi Ferrajoli: nulla necessitas sine injuria). Bem elucidam Zaffaroni e Pierangeli, a este respeito:

A conseqüência que isto traz para ao campo jurídico-penal, é que o valor não se limita a agregar um dado, e sim que o direito penal penetra no caos da realidade, recriando-a. O que equivale dizer que o valor não respeita a realidade, porque não pode, mas que cria aquilo que valora ou desvalora. (2004, p.309)

Desse modo, a corrente filosófica do Neokantismo, iniciada na Alemanha em 1860, não pretendeu negar o Positivismo Jurídico, mas sim superá-lo. Surgiram duas grandes correntes reacionárias face ao Positivismo Jurídico: Neokantismo e Historicismo. Enquanto este fora criado por Wilhelm Dilthey, fundador da ciência do espírito e tem por objetivo a realidade histórico-social, buscando a distinção entre naturais e espirituais, aquele buscou distinguir naturais e espirituais através de uma afirmação idealista (PRADO, 2005, p. 101).
O Neokantismo alterou também a concepção causalista de culpabilidade, onde não mais seria um vínculo psicológico (Teoria Psicológica) estabelecido pelo dolo ou pela culpa entre o agente e o fato praticado, mas sim algo além dessa concepção física: inserindo a exigibilidade de conduta diversa, fundamentando esta linha de raciocínio jurídico na coação moral irresistível, onde mesmo com a verificação de dolo (elemento subjetivo), inexiste punição.


2.3 CONCEITO FINALISTA DE DELITO (TEORIA FINALISTA)

Após o Nazismo – período fundamentado na Escola de Kiel, onde prevalecia o Direito do Autor – e influenciada pelo horror do holocausto, surge a Teoria Finalista de Hans Welzel, admitindo que o Direito Penal deva fixar limites ao Legislador, não deixando a este o livre arbítrio, e sim o respeito a duas Estruturas Lógicas Objetivas: a) toda conduta é finalista, i.e., exige-se finalidade ao se realizar qualquer conduta comissiva ou omissiva; b) o homem é dotado de autodeterminação – livre e culpável – tendo por fundamento da pena a culpabilidade.
A Teoria Finalista ocasionou algumas alterações: a) dolo e culpa (finalidade ou vontade) passa a integrar o fato típico (conduta) e não mais a culpabilidade; b) o tipo penal tem uma parte objetiva e subjetiva, onde o causalismo dividia o delito nestas duas partes e não o fato típico; c) a culpabilidade é puramente normativa, i.e., juízo de reprovação sem requisitos subjetivos.
O excesso de subjetivismo (desvalor da conduta) de Hans Welzel enfatizando a finalidade da conduta fez com que suas ideias influenciassem o Código Penal da Alemanha, onde o crime impossível pode ser punido. Pode ser que esse tenha sido o equívoco finalista, moldado posteriormente, principalmente por Claus Roxin e Eugênio Raúl Zaffaroni (desvalor do resultado).
O finalismo nada mais fez do que deslocar a finalidade, ou seja, o dolo e a culpa que se encontravam na culpabilidade, para o fato típico, agregando, portanto mais um elemento ao fato típico que passa a ser: formal (causalismo), valorativo (neokantismo) e subjetivo (finalismo).  Mesmo com esta evolução, o finalismo ainda parte da premissa de um fato típico formal, embora subjetivo.

2.4 CONCEITO FUNCIONALISTA DE DELITO (FUNCIONALISMO SISTÊMICO E IMPUTAÇÃO OBJETIVA) – PÓS-FINALISTAS

Na Alemanha, em meados de década de 70 iniciou uma corrente doutrinária com o intuito de revolucionar o Direito Penal.

Pretendia-se abandonar o tecnicismo jurídico no enfoque da adequação típica, possibilitando ao tipo penal desempenhar sua efetiva função de mantenedor da paz social e aplicador da política criminal. Essa é a razão do nome desse sistema: funcional. (MASSON, 2010, p.74)

O Direito Penal Funcionalista alemão questiona o conceito de conduta criado primeiramente pelo causalismo e na sequência histórica, pelo neokantismo e finalismo, pois como o Direito Penal tem por objetivo ser um regulador da sociedade, necessário se faz uma delimitação nas expectativas da norma. Ao buscar tal limitação, o finalismo passa a considerar o delito com uma dimensão a mais, qual seja, a normatividade.
Nesta seara, o funcionalismo divide-se em 3 (três) teses principais: a) o funcionalismo radical, monista ou sistêmico de Günther Jakobs; b) a teoria funcionalista moderada, dualista ou de política criminal de Claus Roxin; c) o funcionalismo limitado de Santiago Mir Puig.
Claus Roxin, um dos maiores expoentes da Teoria Funcionalista, defende a ideia de que a função do Direito Penal é proteger os bens jurídicos, atuando de forma subsidiária. Desse modo, o tipo penal deve estar aquém da norma, i.e., a norma contém um amplo programa, comportando o fato típico formal e o fato típico material, que será obtido excluindo-se do fato típico formal os fatos insignificantes que não justificam a intervenção do direito penal.
Desenvolvida a partir da década de 70, a Teoria Moderada de Roxin – Funcionalismo Teleológico preceitua que a norma penal, quando analisada formalmente, possui uma tipicidade por demais abrangente, abarcando inclusive fatos irrelevantes para o Direito Penal, os quais para esta teoria deverão ser considerados como formalmente típicos, apenas. Em virtude disto, o Direito Penal deverá, para cumprir a sua função, utilizar-se dos Princípios de Política Criminal, com o intuito de reduzir o alcance da tipicidade formal. Para tanto, a tipicidade será interpretada pela intervenção mínima, de onde serão excluídos os fatos irrelevantes para o Direito Penal, restando no âmbito da tipicidade apenas os fatos materialmente típicos.
Oposta à Teoria Moderada de Roxin está a, também funcionalista, Teoria Radical de Gunther Jakobs – Funcionalismo Sistêmico (MASSON, Op. cit., p. 75).
Günther Jakobs, na década de 80, identifica como função do Direito Penal a tutela da norma, onde a função tal ciência jurídica está em assegurar não os bens jurídicos, mas a aplicação da norma, através da coação contra aquele que representa uma ameaça à segurança social.
A teoria de Günther Jakobs é sociológica e sistêmica, onde cada um deverá desempenhar o seu papel na sociedade, o homem é uma peça do sistema. Aquele que não realiza a sua função ou desafia as normas impostas pelo sistema torna-se o inimigo.
A teoria do direito penal do inimigo, desenvolvida em 1985, apresenta uma concepção punitivista que agregou muito mais críticos que adeptos e mostra-se sobremaneira incompatível, conforme entendimento de alguns, com o Estado Democrático de Direito por privar o autor do delito de quaisquer garantias fundamentais, desumanizando o agente de crimes.
A busca de limitações ao alcance da norma penal, vincula-se à ideia da teoria da imputação objetiva, pela qual, a relação de causalidade material deixa de ser avaliada, cedendo espaço à atribuição normativa do resultado ao agente, a qual permite a imputação (MASSON, Op. cit., p.74).
Bem elucida Rogério Greco (2007, p. 246): “a teoria da imputação foi criada, inicialmente, para se contrapor aos dogmas da teoria da equivalência, erigindo uma relação de causalidade jurídica ou normativa, ao lado daquela outra de natureza material.” Essa avaliação passa a ser considerada antes da observação do elemento subjetivo – dolo e culpa – na conduta do agente.
Em primeiro plano estará a análise da possibilidade de imputação do resultado ao agente para, posteriormente, em caso afirmativo, analisar se este agiu com dolo ou culpa (GRECO, Op. cit., p. 237).
Se o resultado não puder ser, juridicamente, imputado ao agente, nem se chegará à aferição de dolo e culpa. Nesse diapasão, o resultado poderá ser imputado ao agente se este: a) criou um risco proibido ao bem jurídico; b) se pelo nexo de imputação, o resultado jurídico deriva do risco criado – imputação objetiva do resultado.
Verifica-se portanto, que, se o resultado pretendido pelo agente depender de circunstâncias alheias a sua vontade, não poderá ser imputado a este, uma vez que o resultado será atribuído ao acaso. Se a conduta do agente não tiver a capacidade de aumentar o risco a que está exposto o bem jurídico, não poderá ser-lhe imputado juridicamente o resultado.
Concluída a análise pela não-imputação, será excluído o fato típico, de modo que nem se fará necessário a análise dos demais elementos do delito, optando pela prematura descaracterização do delito em seu primeiro elemento.
2.5 CONCEITO CONGLOBANTE DE DELITO (TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE)

No início da década de 90, Eugênio Raúl Zaffaroni desenvolve o Funcionalismo Reducionista, onde toda a evolução de Claus Roxin é somada a um novo requisito à tipicidade, qual seja, o resultado jurídico, que deverá ser valorado, bem como verificada a possibilidade de imputação objetiva do resultado. Desse modo, ficam excluídas da tipicidade material, as condutas causadoras de resultado jurídico insignificante.
Eugênio Raúl Zaffaroni e José Enrique Pierangeli (2004, p. 366 et seq.) salientam que o conceito unitário de delito está ultrapassado por ser demasiadamente formal. Negam-se aspectos de diversos planos analíticos, i.e., não se admite valoração, necessitando, portanto, que estratifique-se o conceito de crime, proporcionando diferentes planos analíticos.
O delito, vale ressaltar, permanece sendo uma unidade, porém o seu conceito é que será fracionado em níveis. Esses níveis, analisados no caso concreto, correspondem a uma série de perguntas que deverão ser respondidas, segundo uma ordem lógica, pelo aplicador da norma penal, buscando este a verificação da ocorrência do delito, i.e. se a conduta deverá ser considerada uma infração merecedora de pena (ZAFFARONI; PIERANGELI, Op. cit. p. 368).
A estratificação corresponde a uma análise por camadas, em detrimento do conceito unitário de crime que esgota-se no plano formal, revelando notadamente a sua ineficiência na aplicação prática. Para Zaffaroni,

Deve ficar claro que quando afirmamos que o conceito ou a explicação que damos do delito é estratificado, queremos dizer que se integra em vários estratos, níveis ou planos de análise, mas isto de nenhuma maneira significa que estratificado seja o delito: o estratificado é o conceito de delito que obtemos por via da análise. (ZAFFARONI; PIERANGELI, Op. cit., p.368)

Portanto, a estrutura meramente formal do conceito unitário do delito verifica-se abandonada pela moderna concepção estrativista do delito, razão pela qual podemos verificar duas consequências principais: uma consequência na própria evolução da tipicidade e outra na adoção da Teoria Tripartida Finalista do Delito.
O fato típico, primeiro dos níveis da análise estratificada do conceito de delito, contém a tipicidade, entendendo-se esta como algo além da mera subsunção do fato à norma (GRECO, 2007, p.156).
A dita subsunção ao modelo abstrato dá origem à tipicidade formal ou material.  No entanto, a moderna doutrina penal não se contenta com mera adequação formal da conduta, exigindo para sua conclusão a ocorrência da tipicidade conglobante.
Na lição de Pierangeli e Zaffaroni (2004, p. 522), a norma proibitiva que se encontra anteposta ao tipo formal não se encontra isolada no ordenamento, e sim conglobada com as demais normas, formando a ordem normativa.
Ainda que, aparentemente, uma norma, considerada isoladamente, pareça permitir a realização de uma conduta que outra norma proíba, o que ocorre de fato é que sua proibição deverá ser analisada de maneira conglobada, em consonância com as demais, em respeito à ordem normativa. De maneira bastante clara, prelecionam,

Daí que a tipicidade penal não se reduz à tipicidade legal (isto é, à adequação à formulação legal), e sim que deva evidenciar uma verdadeira proibição com relevância penal, para o que é necessário que esteja proibida à luz da consideração conglobada da norma. (ZAFFARONI; PIERANGELI, Op. cit., p.522)

Significa, pois, que a tipicidade penal deverá englobar, não apenas a tipicidade formal, mas esta, depois de corrigida pela tipicidade conglobante, de modo que esta última atuará como esclarecedora do alcance do tipo penal, podendo ocorrer de o fato, apesar de formalmente típico, quando considerado de maneira conglobante terá excluída a tipicidade.
Desse modo, de acordo com a doutrina de Zaffaroni, a ocorrência de cumprimento de um dever não atua excluindo a antijuridicidade, e sim configura um caso de atipicidade, uma vez que o ordenamento jurídico não poderá estabelecer a tipicidade de uma conduta, para que, posteriormente, uma outra norma venha a invalidar essa tipicidade, através da permissão da conduta. Contra essas condutas, valoradas conglobantemente como atípicas, não atuarão as causas de justificação, pois a ordem jurídica não poderá aceitar normas que ela própria rejeita, na tipicidade formal.
3 DA TIPICIDADE

No causalismo, o tipo penal era o tipo formal, neutro, desprovido de valoração. Para caracterização do fato típico, bastava a realização da conduta, ao lado da realização de um resultado, ligado à conduta por meio do nexo de causalidade, além da tipicidade formal, o encaixe, a subsunção do fato à descrição do tipo formal. O dolo e a culpa do agente só seriam discutidos posteriormente, por ocasião da análise da culpabilidade, ou seja, a possibilidade de responsabilização do agente pelo delito.
Posteriormente, virá o Neokantismo agregar valor ao tipo penal, conferindo-lhe a característica de tipo formado por objetividade e valor, i.e., o valor compreendido como a reprovação, onde o delito era a contradição do valor reconhecido socialmente.
O funcionalismo agregou à tipicidade uma segunda dimensão, agregando uma valoração à conduta. Até este momento, a tipicidade possuía apenas a dimensão formal, embora já valorada pela concepção neokantista. A partir do funcionalismo, a tipicidade passa a contar com um segundo aspecto, o elemento subjetivo do tipo, i.e., o dolo e a culpa que, antes integrantes da culpabilidade, passaram a integrar o fato típico, movidos que foram pela ideia funcionalista.
Hodiernamente, a moderna doutrina penal encontra-se vinculada à Teoria Funcionalista.
A principal crítica trazida pelo funcionalismo à teoria que o precede, consiste no fato de que, a Teoria Finalista incluiu o dolo e a culpa como integrantes da dimensão subjetiva do tipo, ao lado do tipo objetivo, integrando a tipicidade.
Para os adeptos da Teoria Funcionalista, a culpa não está inserida no aspecto subjetivo, uma vez que não encontra-se presente no íntimo do agente. Ela (a culpa) é a normatividade, movida pelos funcionalistas, que a retiraram do aspecto subjetivo mantendo-a, entretanto, na tipicidade.
Desse modo, a partir do funcionalismo teleológico-racional de Roxin, o fato típico passa a conter uma terceira dimensão, além das dimensões formal-objetiva e subjetiva – presente apenas nos crimes dolosos, passa a compô-lo também a dimensão normativa ou material, nesta incluída a imputação objetiva, expressa em dupla exigência: a) a criação ou implementação de um risco juridicamente proibido e b) a imputação objetiva do resultado, através do nexo de imputação, àquele que proporcionou diretamente a ocorrência desse risco.

4 CONCLUSÕES

Pode-se inferir, do exposto, que o preenchimento da tipicidade no Direito Penal atual, deverá se compor-se pela tipicidade objetiva – formal, tipicidade normativa e tipicidade subjetiva. Entendendo-se como tipicidade normativa a imputação objetiva da conduta e a imputação objetiva do resultado. E, como tipicidade subjetiva, o elemento volitivo, presente nos delitos dolosos, apenas.
Isto posto, a ocorrência do tipo penal, pressupõe, hodiernamente, o preenchimento, além dos requisitos formais, identificados desde a teoria causalista – conduta, resultado, nexo causal e tipicidade – a ocorrência dos elementos da dimensão normativa do tipo – imputação objetiva da conduta e imputação objetiva do resultado, além do elemento subjetivo do tipo.
Na prática, o maior número de elementos na tipicidade afasta a possibilidade de injustiças serem cometidas na imputação do fato delituoso, uma vez que a caracterização da conduta como crime, será afastada desde logo, na primeira camada da estratificação, qual seja, o fato típico.
Desse modo, necessário se faz o aumento de elementos do fato típico, ou da tipicidade como preferem alguns, para a verificação de um crime no sentido analítico. Ou seja, um delito pressupõe a prática de um fato típico, antijurídico e culpável, com uma tipicidade cada vez mais dotada de elementos, os quais irão assim restringir a aplicação da norma, conectados a uma ideia de ultima ratio,a qual deixa a cargo da Teoria da Pena apenas a punibilidade.
Do exposto, pode-se concluir que a o conceito analítico de crime não comporta mais a adoção da Teoria Bipartida. Discussão esta há muito superada pela evolução do Direito Penal, cuja modernização dá espaço para o debate e verificação do conceito cada vez mais estratificado do delito, o qual proporciona a adequação da Ciência Penal às bases ideológicas do Estado Democrático de Direito.

SOBRE OS AUTORES
Daniel Ribeiro Vaz é professor da Universidade Tiradentes nas disciplinas Penal, Processo Penal, Execução Penal e Estágio, graduado e especialista em Direito penal e Processual Penal. Contato com o autor: danerjur@hotmail.com

Érika Fontes de Almeida é graduanda em Direito pela Universidade Tiradentes, (2008/1). Contato com a autora: yasmin-erika@hotmail.com

REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. 1. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

GAARDNER, Jostein. O Mundo de Sofia. Tradução João Azenha Júnior. 70. reimp. São Paulo: Companhia. das Letras, 2009.

GOMES, Luis Flávio. MOLINA, Antonio Gárcia-Pablos. Criminologia. 5 ed. São Paulo:Editora RT, 2006.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Vol1. 9. ed. Rio de Janeiro, Impetus, 2007.

JAKOBS, Günther. A Imputação Objetiva no Direito Penal. Tradução André Luiz Callegari. 3. ed. Editora RT: São Paulo, 2010.

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Alex Marins. Martin Claret: São Paulo: 2002.

MASSON, Cleber Direito Penal Esquematizado- Parte Geral.Vol1. Editora Método: São Paulo.2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 6. ed. Editora RT: São Paulo, 2010.

PRADO, Luis Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro.Vol5. 5.ed.Editora RT: São Paulo, 2005.

SANCHES, Bernardo Feijóo. Teoria da Imputação Objetiva. Trad. Nereu José Giacomolli. Manole: São Paulo, 2003.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl, PIERANGELI, Enrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 5. Ed. Editora RT: São Paulo, 2004
Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/danielvaz/

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