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Responder a processos criminais é crime

Posted by Chrystiano Angelo On sexta-feira, 17 de junho de 2011 0 comentários
Acho que o leitor vai concordar com o seguinte raciocínio: responder a processos criminais não é crime no Brasil. Não pode haver punição por isso. Inclusive seria inconstitucional um tipo com essa descrição, uma vez que feriria o princípio da presunção de inocência. Contudo, considerando os fatores reais de poder, o que faz o juiz que aumenta a pena-base porque o acusado tem os chamados “maus antecedentes”, senão puni-lo por responder a outros processos?
       Assim, não posso entender a prática de boa parte dos atores jurídicos que pedem e aplicam os antecedentes penais do acusado como um elemento capaz de aumentar a pena-base. Responder a outro processo não é crime, até porque depois pode se chegar a um veredicto reconhecendo a inocência. Mas a questão nem é essa.
       Com a Constituição Federal de 1988 o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana foi erigido a um dos Fundamentos da nossa República (art. 1º, III).
       Por outro lado, diz o art. 5º, LIV, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
       O acusado não pode ter sua pena agravada nos autos de um processo tão somente em razão de responder a outro processo. Não pode ser prejudicado (e prejulgado) por não ter havido julgamento numa outra relação processual (e com a possibilidade de absolvição, inclusive).
       E diz mais a Constituição Federal no mesmo art. 5º: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”.
       Como pode o acusado se defender de um fato ocorrido em outro processo? Estaria, assim, ferindo não somente o devido processo legal, mas também o principio secular do Direito Penal do Fato.
       Não estaria, no caso de reconhecimento dessa circunstância judicial, com o conseqüente aumento da pena-base, punindo alguém pelo que é (responder a várias acusações em casos estranhos aos autos) e não pelo que fez (praticou vários ilícitos em cada processo, isoladamente)?
       Fazendo outra reflexão, mesmo em caso de condenação não estaria eu punindo duplamente alguém por um mesmo fato (neste e no outro eventual processo penal)? Acredito que sim.
       Por fim, se não há pena sem reconhecimento de culpa, há que se ler atentamente o que diz outro inciso do art. 5º, o LVII, que determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”.
       Se estou aumentando o quantum da pena-base somente por alguém estar sendo acusado em outros autos, imponho eu um suplício indevido, diga-se de passagem. Assim, essa circunstância, se adotada para influir na pena do réu, fere a nossa Constituição.  E uma norma que fere a Constituição não é válida.
       Talvez em um país com um paradigma de tanto desrespeito aos desafortunados não nos demos conta desse fato.
       Mas temos que respeitar a dignidade da pessoa humana, tratar o outro como ser humano que é, ainda que em alguns casos falho, mas que seja apenado pelas condutas que praticou naquele processo específico. Isso é direito penal constitucional. Direito do fato, porque os acontecimentos pretensamente criminosos exteriores ao processo não podem ser considerados “fato penal” e interferir na quantidade da pena.
       Deixo de lado os moralismos tão em voga na atualidade e que rotulam as pessoas como “bandido”, “marginal” ou “monstro”, reconhecendo que aqui estou julgando um igual e por um fato específico, sob pena de duplamente avaliar um mesmo comportamento.

Fonte:  *Rosivaldo Toscano Jr. é juiz de direito e membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD

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